Uma teologia robusta para tempos difíceis: A Teologia de Santo Agostinho


TEOLOGIA ROBUSTA PARA TEMPOS DIFÍCEIS: A TEOLOGIA DE SANTO AGOSTINHO

Agostinho nasceu em treze de novembro do ano de 354 d.C., em Tagaste, numa parte ao norte da África que hoje é conhecida como Algéria. Seu pai, Patrício, era um descrente cujo interesse em seu filho era limitado a preparar Agostinho para uma carreira que o levaria a fama e a fortuna, e sua mãe, Mônica, era uma mulher de excepcional devoção e piedade cuja grande tristeza na vida era seu filho rebelde. Ela chorou e orou amargamente durante tanto tempo por seu filho que ele se tornou conhecido como o "filho das lágrimas”. Vale ressaltar que, pouco antes de morrer, Patrício abraça a fé cristã e é batizado.

Uma mente sagaz em busca da verdade: Percorrendo as filosofias e religiões da época

Agostinho frequentou a escola de catecumenato da igreja em Tagaste, mas aos 17 anos se amasia com uma mulher e, aos 18 anos, tem um filho com ela chamado Adeodato. Agostinho era de uma grandeza intelectual sem igual. Sua sagacidade o levava à percorrer as religiões e filosofias da época.

a.      Maniqueísmo

O maniqueísmo é uma corrente religiosa-filosófica que apregoa que há duas forças eternas e iguais em poder. Uma delas é o deus bom e o outro o deus mau. Nessa linha de pensamento, Satanás é tão todo-poderoso quanto Deus. O caminho para ser salvo, segundo essa filosofia religiosa, é o ascetismo.  Nas suas Confissões Agostinho nos informa que quando encontrou Fausto – o principal representante desse corrente na época – ele reconheceu sua ignorância naquelas ciências em que o julgava grande conhecedor, comecei a desesperar de que me pudesse esclarecer e resolver as dificuldades que me preocupavam. Seus livros estão cheios de fábulas intermináveis acerca do céu e dos astros, do sol e da lua, que eu já não esperava, mas que pudesse explicar tão argutamente como eu o desejava. Finalmente, ele arremata a questão dizendo: Quanto ao mais, todo o empenho que eu havia posto em progredir na seita desapareceu por completo tão logo conheci este homem, mas não a ponto de me separar definitivamente dela. É contra eles que ele escreve Da natureza do bem (c. 405 dC).

Nessa desilusão ele caminha então em direção à segunda filosofia religiosa que abraçou antes do cristianismo:

b.     Astrologia

Astrologia é o estudo dos astros e como eles influenciam no mundo e na vida dos seres humanos em especial. O destino da humanidade e o temperamento do ser-humano é influenciado determinantemente pelos astros. A astrologia, acreditava-se, poderia inclusive predizer eventos futuros. Em suas Confissões, Agostinho declara estar impressionado pela ciência dos astrólogos nessa época. Quando escrevia a autobiografia, o bispo disse ainda que “os presságios acertados dos astrólogos são obra da sorte ou causalidade e não da arte de observar os astros”. Na época das Confissões, Agostinho escreve que me “não importo mais em conhecer o curso dos astros”.  

Com a curiosidade em alta, Agostinho avança mais um pouco e agora adentra o perigoso terreno do ceticismo:

c.      Ceticismo

O termo tem uma raiz grega que significa primeiramente aquele que reflete, aquele que observa. O ceticismo, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss é, uma doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade. O progenitor do relativismo, portanto. Esse movimento pode ser resumido na frase Anatole France (1844-1924): “Duvidemos até mesmo da própria dúvida”.

Por fim, levado ao último movimento sectário antes de sua conversão: O neoplatonismo.

d.    Neo-Platonismo

Os ideais neoplatônicos falam de uma realidade espiritual superior. O mundo das ideias. Este mundo é a cópia do real mundo. O mundo Ideal. Agostinho fascinado com essa linha mestre de pensamento abraça-a e a cristianiza quando converte. Essa linha-mestre abrirá caminho para o entendimento de que Jesus é a imagem real das sombras da Lei. Aqui, ele recebe o conceito de uma divindade transcendente. Aqui o problema do mal adquire novas cores para o nosso Pai da Igreja.

O professor de Retórica: A guinada na carreira acadêmica de Aurélio Agostinho

Desde 376, aos 22 anos, Agostinho já lecionava. Em primeiro lugar em Tagaste onde ensinava gramática. Pouco tempo depois vai à Cartago ensinar retórica. Nesse ínterim, ele leciona sobre Cícero, o famoso escritor. A principal obra deste autor da qual Agostinho se debruçara é chamada de Hortênsio. Lá, conta-nos Agostinho, ia adiando a hora de abandonar a felicidade meramente terrena. É nesse momento histórico que ele nos lega a famosíssima frase: Dá-me castidade, mas ainda não.

Agora aos 28 anos, já em Roma, Agostinho reúne alguns alunos em sua casa para fazer-se conhecido como professor de retórica. Nessa época, Agostinho passa um ‘aperto financeiro’. Os estudantes romanos viviam mudando de mestre para não pagar as aulas. Essa decepção é o que contribui para que ele vá a Milão.

Os cidadãos de Milão solicitaram ao prefeito de Roma um professor de retórica. A viagem seria custeada pelo próprio Estado. Agostinho resolve oferecer-se para o cargo através dos maniqueístas influentes com os quais ainda conservava algum tipo de amizade. Após discursar diante do prefeito romano – Símaco – e sendo aprovado, Agostinho vai então à Milão. Lá chegando, encontra Ambrósio, bispo na cidade. Nas Confissões, Agostinho relata que – em virtude do comportamento hospitaleiro do bispo – passa a amá-lo. Ao ouvir suas homilias, não estava atento para ser alimentado e nutrido pela verdade, mas para estudar e analisar a sua arte e eloquência.

Tolle, Lege! – Toma e leia: Romanos 13:13-14

Feriste-me o coração com a tua Palavra e eu te amei! Tarde te amei, ó beleza tão antiga! Eis aí o grito de Agostinho. As palavras pregadas pelo bispo de Milão atingem em cheio o coração do professor africano. Em suas Confissões Agostinho relata que nesse intervalo, sua mãe orava insistentemente por ele. Numa dessas orações, ela viu Agostinho aproximar-se dela. Então ela lhe disse: “Virás a mim, eu, porém, não irei a ti”. Agostinho interpreta o fato acerca de sua conversão ao cristianismo. Então dadas todas as desilusões precedentes, Agostinho resolve retornar ao catecumenato da Igreja, mas agora em Milão e sob a supervisão de Ambrósio.

Não pensemos, portanto, que a conversão de Agostinho foi fácil e sem luta. Herman Hanko descreve a conversão de Agostinho como segue:

Obstinado em buscar a verdade fora do seu único santuário, agitado pelas ferroadas da sua consciência, vinculado pelo hábito, atraído pelo medo, subjugado pela paixão, tocado com a beleza da virtude, seduzido pelos encantos dos vícios, vítima de ambos, nunca satisfeito em seus falsos deleites, lutando constantemente contra os erros da sua seita e os mistérios da religião, um infeliz correndo de pedra em pedra para escapar do naufrágio, ele fugiu da luz que o perseguia - Tal é a pintura pela qual ele mesmo descreve seus conflitos nas suas 'Confissões’.

Nas Confissões, Agostinho narra-nos a sua conversão. Ele diz que durante uma crise profunda ele ouviu uma voz – provavelmente de crianças que brincavam ao redor do local onde Agostinho estava – dizendo: Tolle, lege, isto é, tome e leia. Acossado como estava, Agostinho lança mão do texto que tinha em mãos: Romanos 13:13-14.

Parece que a Providência gosta de salientar determinados versículos para ocasiões específicas. A conversão de Agostinho é marcada por Romanos 13, a de Wesley por Romanos 1, a guinada reformatória de Lutero por Romanos e Gálatas. Agostinho, a esta altura, estava acossado por vários pecados sexuais e então lê na epístola de Paulo:

Uma vez que pertencemos ao dia, vivamos com decência, à vista de todos. Não participem de festanças desregradas, de bebedeiras, de promiscuidade sexual e de práticas imorais, e não se envolvam em brigas nem em invejas. Em vez disso, revistam-se do Senhor Jesus Cristo e não fiquem imaginando formas de satisfazer seus desejos pecaminosos.

“Eu não tinha mais vontade de ler e nenhuma necessidade de fazê-lo. Pois em um instante, enquanto eu ia para o final da frase, era como se a luz da fé inundasse meu coração e todas as trevas da dúvida fossem dissipadas".

De catecúmeno a bispo: A mente teológica mais amada tanto por católicos romanos quanto por protestantes

Ambrósio foi de catecúmeno a bispo em uma única semana e sem o ser batizado. Só depois de empossado bispo, convida Simpliciano para ser mentor em questões teológicas. Assim também Agostinho. Jamais estudara teologia formalmente. Sendo posteriormente ordenado presbítero e bispo. Apesar de não ser teólogo formalmente, Agostinho é tido pelos estudiosos como o Orígenes do Ocidente. Ele é um dos quatro doutores da Igreja Romana juntamente com Ambrósio, Jerônimo e Gregório I. É sua a contribuição do termo e do conceito de monergismo.

Agostinho fora batizado, aos 33 anos, juntamente com Adeodato e Alípio; seu filho e seu amigo, respectivamente.  Na noite do dia 24 para o dia 25 de Abril de 387 dC.  Após ser batizado resolve retornar à África do Norte. A Igreja era ameaça por todos os lados. Maniqueísmo, paganismo e donatismo são alguns perigos que circundavam a Igreja. Servindo à Igreja em Hipona, em 391, Agostinho fora praticamente forçado a aceitar o presbiterato. Certo Domingo, quando estava no culto com os irmãos, o pegaram literalmente pela mão e o arrastaram para  frente para ser ordenado presbítero pelo bispo da cidade. Quando o bispo da cidade quis um bispo adjunto, Agostinho se viu forçado – mais uma vez – a aceitar o cargo agora em 395 dC.  Foi consagrado bispo aos 42 anos de idade e permaneceu no ofício por mais de 30 anos.

Episcopado: A sagacidade de Agostinho em defesa da fé cristã

Agostinho – em seu episcopado – enfrentou vários desafios à fé cristã. São as famosas controvérsias agostinianas.

a.     O donatismo – fundamentando a doutrina da Igreja e dos sacramentos

 A primeira delas é a controvérsia donatista. Essa controvérsia modelou o conceito de Igreja e sacramento em Agostinho. Donato Magno era – assim como Agostinho – bispo na África, especificamente na Cartago, onde Agostinho lecionou retórica. Donato Magno era assíduo leitor de Tertuliano e Cipriano, bispos anteriores à ele em Cartago. Sua teologia era altamente legalista. À medida que os anos passavam, os seguidores de Donato se consideraram a única igreja verdadeira. O momento era de perseguição. Havia bispos cristãos que diante da perseguição se retratavam da fé. Passado o momento de perseguição, esses bispos – conhecidos como traditores (traidores) – queriam regressar à comunhão da Igreja. Os traditores eram assim considerados por entregarem aos oficiais romanos exemplares de textos do N.T. e denunciarem onde os demais líderes se reuniam com suas respectivas comunidades. Donato Magno se opunha ao regresso deles ao seio da Igreja. Donato era cátaro. Alguém que prezava por uma igreja pura. Uma espécie de puritanismo antigo. Mas na igreja pura de Donato não havia espaço para imperfeições. Os atos efetuados pelos bispos traditores – tais como Batismo, Eucaristia, Casamentos, Funerais – eram todos inválidos. O sacramento, para Donato, tinha eficácia se o bispo que o oficializou fosse legítimo. Eis aqui um extremismo da sucessão apostólica.

Agostinho rivaliza frontalmente com esse ponto de vista. Em um ponto extremado do pensamento agostiniano surge o conceito do sacramento automático. O simples rito confere a benção. É o que é chamado em Teologia de ex opere operato. A tradução  seria algo como em virtude do próprio ato. Porque eu realizo o rito, recebo o sacramento. Numa visão mediata do agostinianismo, o sacramento confere o que o sinal prediz num ato de fé representativo. Aqui as igrejas pedobatistas – aquelas que batizam bebês, especialmente a Luterana – tem o fundamento de sua teologia batismal. A fé do pai, do padrinho e da Igreja é representativa para o batismo do Infante. Quando crescer, o batizando deve fazer sua profissão de fé. Numa visão empobrecida do sistema agostiniano , o sacramento é apenas um memorial. O batismo é um memorial da co-crucificação do crente com Cristo. A ceia é um memorial do sacrifício vicário de Jesus para o mundo. Perde-se com isso o próprio conceito de sacramento: A correspondência entre o rito e a coisa significada pelo rito que é recebida por quem recebe o sacramento. Não somos apenas lembrados de que Cristo morreu. Fomos crucificados juntamente com Cristo no gólgota. Agostinho – interpretando as parábolas do Reino[1] – diz que a Igreja comporta dentro dela o trigo e o joio até o dia de Cristo. Ao contrário dos donatistas que defendiam uma igreja pura, Agostinho abre caminho para estabelecer as marcas da verdadeira igreja na tradição pós-reforma protestante. Marcas porque sempre haverá pessoas não regeneradas dentro das alas do cristianismo.

Agostinho fundamenta toda a sua teologia no fato de que os sacramentos independem do homem. Assim como a Graça, os sacramentos são monergísticos. Deus opera o batismo e a ceia mediante homens, mas Deus os opera. Quem batiza é Deus. Quem celebra a eucaristia é Deus. O povo e o ministro recebem de Deus os sacramentos. Se os sacramentos oficiados por bispos traditores é operado por Deus, ainda são válidos, segundo Agostinho.

A base de todo o sacramento é a Palavra. Agostinho pontua: Une-se a Palavra ao elemento, e acontece o sacramento. A virtude não está no homem, mas na Palavra. Ele fecha a questão ao dizer: Na verdade, a virtude espiritual do sacramento se assemelha à luz: os que devem ser iluminados a recebem em sua pureza, pois, mesmo que tenha que atravessar seres manchados, ela não se contamina.

Agostinho rejeita a visão  de que o sacramento é apenas memorial. Ele diz que se os sacramentos não tivessem certa semelhança com as coisas das quais são sacramentos, eles não seriam sacramentos. Vale esclarecer que sacramento é um termo primeiramente militar e depois eclesiástico. No sentido militar, sacramento aponta para um juramento, um penhor. No conceito eclesiástico, sacramento designa um sinal correspondente ao ato efetuado. Um ato externo de uma graça interna que já foi operada.

Graças ao confronto com o donatismo temos a eclesiologia e a sacramentologia agostiniana. A visão sacramental e eclesiológica de Agostinho fundamentará tanto o catolicismo romano quanto o protestante de formas diferentes. A pompa da igreja romana está presente na eclesiologia do bispo e a quantidade de sacramento protestante é delimitado pelo uso estrito da Palavra. Sem Palavra não há sacramento. Aqui nasce a obra Sobre o Batismo.

b.     Pelagianismo – fundamentando a doutrina da salvação

Pelágio foi um presbítero britânico no 4° século. Foi extremamente influente. Ele dizia que a liberdade humana não foi afetada pela queda dos nossos primeiros pais Adão e Eva. Pelágio foi um escritor prolífico. Ele escreveu dois livros sobre o livre-arbítrio e a graça: Do livre-arbítrio e Graça. Foi criticado tanto por Agostinho e Jeronimo. Inocentado pelo sínodo na Palestina em 415 dC. Condenado como herege pelo bispo romano em 418 dC e pelo concílio de Éfeso em 431 dC. Com o nosso arbítrio intacto, não havia necessidade da Graça tanto para ser escolhido como para escolher a Deus. O pelagianismo nega com isso tanto o arminianismo com sua graça preveniente que é aquela graça que capacita o homem a responder ao chamado de Deus, quanto ao calvinismo com a graça eficaz que torna vivo o homem morto. Tanto arminianismo quanto calvinismo e luteranismo concordam que o homem está espiritualmente morto e somente a graça de Deus pode vivifica-lo. Para uns, ela é eficaz (calvinista), para outros ela é preveniente (arminianismo) e para outros ela é universal (luteranismo); mas para o pelagianismo ela é desnecessária. O homem consegue salvação por sua própria vontade ao realizar boas obras. Pelágio negava o pecado original. O homem peca por nascer no mundo pecador. Pelágio negava a graça sobrenatural de Deus para a salvação. E por último, afirmava uma vida sem pecado por uso correto do livre arbítrio.


A experiência de conversão de Agostinho, por si só, desacredita a doutrina pelagiana. Agostinho relata em suas Confissões que sua conversão foi súbita. Foi ato da graça salvadora de Deus. Ele estava absorto em profunda confusão quando então ouve o tolle, lege e se depara com a carta do apóstolo Paulo. Entrementes as orações incessantes de Mônica, Agostinho sempre se viu lutando contra aguilhões. Ele foi finalmente vencido. Tarde te amei, ó beleza tão antiga! Feriste-me o coração com a tua Palavra e eu te amei! Pelágio parecia ignorar o testemunho bíblico da condição humana. É contra ele que Agostinho defende o conceito de que exclusivamente Adão tinha a capacidade de pecar (posse peccare) e a capacidade de não pecar (posse non peccare). A partir de Adão, sua descendência estava escravizada ao pecado (João 8:36). Estava morta nos delitos e pecados (Efésios 2:1). Estava separada de Deus (Colossenses 1:21). Era inimiga de Deus (Romanos 5:10). Era filha da ira divina (Efésios 2:3). Filhos da desobediência (Colossenses 3:6).  É a partir de Agostinho que a Teologia fala de Adão como o Deputado da humanidade diante de Deus. O representante de toda a raça. Os puritanos diziam: Quando Adão pecou, ninguém escapou. Todos foram destituídos da Glória de Deus (Romanos 3:23). Todos receberam o salário do pecado: A morte espiritual e consequentemente a física (Gn. 2:17).

Só a graça pode redimir a criatura humana em condições assim. E a Graça o fez. A Graça veio por intermédio de Jesus Cristo. Seja no anúncio profético no Antigo Testamento, seja na carne nos evangelhos, seja na pregação apostólica das epístolas a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens (Tito 2:11). A luz da graça veio ao mundo e vindo ao mundo iluminou todos os homens (João 1:9). Fazendo coro uníssono com Paulo, Agostinho bradou: Vocês são salvos pela Graça, mediante a fé, isso não vem de vocês; é dom de Deus. Isso não depende de quem quer ou quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia (Cf. Ef. 2:8 e Rm. 9:16).

As principais obras de Agostinho anti-pelagianas são: Do Espírito e da letra (412 AD), Da natureza e da Graça (415 AD), Da graça de Cristo e do pecado original (418 AD), da Graça e do livre-arbítiro (427 AD), Da predestinação dos santos (429 AD). Não é sem razão que Agostinho é conhecido na Teologia como o Teólogo da Graça.

c.      Maniqueísmo – o mundo é o teatro da glória de Deus! Uma teologia da criação!

Mani era um gnóstico persa que acreditava que o mundo físico era fruto de um deus maligno todo poderoso. O corpo – por ser material – era a prisão da centelha divina boa. O órgão sexual masculino era especialmente repudiado pelos maniqueus assim como todo o restante do corpo. Para eles, a encarnação do Verbo foi desnecessária ou ilusória. Nas palavras do apóstolo João, o espirito do anticristo já estava operando no mundo. A ênfase do movimento era o celibato. Quem quer que fosse iniciado no maniqueísmo tinha que ser celibatário. Contrariando assim a ordem de Deus[2] da qual o apóstolo Paulo escreveu:  Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável,  porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado.

Ironicamente, Paulo é o escritor que Mani tinha mais apreço. Negava totalmente o Antigo Testamento e recusava grande parte do Novo. Mantendo do último apenas o Evangelho de Lucas e as cartas de Paulo.

Contra o maniqueísmo, Agostinho defende a Teologia da Criação. Tudo o que Deus criou é bom. Para usar a máxima de Calvino, o mundo é o teatro da glória de Deus. A glória de Deus se revela no céu (Salmo 19:1). Os atributos invisíveis de Deus e sua divindade se reconhecem pelas coisas criadas (Romanos 1:20).  O mundo – em toda a sua plenitude – é do Senhor Deus (Salmo 24:1).

Aqui entra a antropologia agostiniana. O mundo é bom, mas está corrompido pelo pecado, incluindo a natureza humana. A necessidade nossa, portanto, é renascer em Deus mediante Jesus Cristo e tudo isso mediante unicamente a graça e a fé. O pecado original está na humanidade. É dele o termo pecado original.

d.    Ateísmo Cristão: A Cidade de Deus que desce do céu permanece para Sempre!

Nos primórdios, ser cristão equivalia  ser ateu. O cristão era aquele que não tinha imagens de seu Deus. Os romanos, gregos, persas, todos tinha imagens. Os cristãos até então não as tinha.  Eles eram acusados de serem ateus por isso. Acusados de serem canibais pela celebração da Ceia onde – segundo seus oponentes – comiam  carne e bebiam  sangue a cada reunião. Era acusados de serem incestuosos por se cumprimentarem com beijo santo aos irmãos e irmãs.

O Império Romano Ocidental caiu em 476 dC. Isso significa que já na época do grande bispo estavam ocorrendo invasões bárbaras. Os romanos – assim como Nero antes – culpavam os cristãos pela falta de proteção de Roma “cidade eterna”. Agostinho então trava uma defesa ardente do cristianismo na sua obra Cidade de Deus. Obra fruto de 13 anos de labor teológico. Nele, Agostinho seculariza a história. Agostinho demonstra que desde o início, existem duas cidades: A Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Os protótipos bíblicos são numerosos: Abel e Caim, Isaque e Ismael, Jacó e Esaú, etc. Rookmaaker foi influenciado pelo Agostinho e também o PalavrAntiga com sua música Rookmaaker. Aqui, o PalavrAntiga faz menção à cidade dos homens... fruto deste livro de Agostinho.

Agostinho faz uma defesa mostrando que apesar dos pesares o cristianismo se manterá firme, pois seu fundamento não é outro senão Jesus Cristo (1Coríntios 3:11) e Jesus é aquele Leão-Cordeiro que está no Trono (Apocalipse 5:1). Ele vence e com  ele vencem seus seguidores (Apocalipse 17:14).  Após fomentar a ardorosa defesa, Agostinho tomba alguns dias antes dos bárbaros tomarem Hipona.

APRENDENDO COM AURÉLIO AGOSTINHO

1.     A fé cristã busca compreensão. Não compreendo para crer, mas creio para compreender. Eis a máxima de Agostinho. Anselmo da Cantuária a levará para a Idade Média. Os debates teológicos de Agostinho ensinam que a nossa fé deve ser racional. Nas palavras de John Stott crer é também pensar.

2.     O Reino de Deus é para doentes. A Igreja Pura só será pura no Retorno de Jesus Cristo. Até lá, haverá justos e ímpios congregando juntos.  Jesus disse: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”. O Reino de Deus são para pecadores arrependidos. Jesus disse: “Os sãos não precisam de médico e sim os doentes”. O Reino de Deus são para os doentes de coração. Desejosos de um Salvador.

3.     Graça do começo ao Fim. Valendo da máxima de David Martin Lloyd Jones, Agostinho defende que, é graça do começo ao fim. Agostinho defende que não depende de quem quer, mas de Deus usar sua misericórdia. Agostinho é aquele que pôde falar de Deus salvar alguns da ‘massa de perdição’ que nossos pais precipitaram. É obra monergística do começo ao fim. Sola Gratia é um resgate absoluto da teologia agostiniana.

Em verdade, Agostinho foi aquele que pôde falar: Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti. E ainda: Não pode saciar a fome quem lambe pão pintado. O pão que satisfaz é Cristo. Nenhum outro subterfúgio além dele será suficiente para nós. Só Cristo e nada mais. Só Cristo fornece e fundamenta uma teologia robusta para tempos difíceis.


[1] Mateus 13
[2] 1Timóteo 4:1-5

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