Resenha: “Mulheres” – Charles Bukowski


Há três coisas misteriosas demais para mim, quatro que não consigo entender: O caminho do abutre no céu, o caminho da serpente sobre a rocha, o caminho do navio em alto mar, e o caminho do homem com uma moça (Pv. 30:18,19). Nada melhor começar resenhar esse livro com essa citação da Bíblia. O livro é a estória de Henry Chinaski e, pelo menos, 27 mulheres. 

Ao resenhar este livro, quero apresentar algumas lições:

I. O papel instrutivo das mulheres na vida de um homem.

No primeiro encontro entre Chinaski e Lydia, esta lhe ensinou a praticar sexo oral em mulheres. O ponto pode parecer irrelevante, porém ganha cor ao observarmos que ele era um homem já de meia-idade aprendendo algo com uma mulher mais nova (p 22). 

II. A perseverança das mulheres

Chinaski, como alter ego de Bukowski, era de fato, mulherengo. Todavia, algumas mulheres na trama insistem em permanecer em sua vida até mesmo em face desse fato. Cito aqui dois exemplos: Lydia e Sara. Ambas viram Chinaski agarrar-se com tantas e, no entanto, resolveram permanecer. Como encarar esse fato? Estupidez? Amor? Entrega? Penso na última. O próprio Chinaski reconhece que ele temia que as mulheres quisessem sua alma ou o que restou dela (p. 83).  

III. A ‘abnegação’ das mulheres

Ao longo da trama, percebemos que Chinaski não era galã Ele se reconhece feio e velho (p. 80). Era meia-idade, quase 60 (p.203). Era barrigudo, pesava 93kg. Era inseguro e infantil. Era beberrão e, no entanto, atraiu tantas mulheres. Aqui, fica evidente que as mulheres têm, em sua maioria, uma análise diferente dos homens. Prezamos muitas vezes pela aparência. Elas, ainda não sei dizer. Ele próprio confessa que até vendedores de lojas tinham uma segurança que lhe faltava (p. 227), a própria Lydia o descreve como inseguro (p.18). Ele confessa ainda que suas roupas eram maltrapilhas e surradas (p. 227). Ouvi dizer certa feita que mulheres são atraídas pelo que ouvem ou leem, bom, talvez haja indícios disso nessa trama, não é? Ele confessa ainda não ser interessante (p. 113) e não ter nenhum atrativo (p.112).  Ele nunca estava em sintonia com nada (p. 191), para usar a linguagem de C. S. Lewis aqui, parece que ele era um sem raiz onde quer que fosse. 

IV. Chinaski: Um ser controvertido

 A estória de Chinaski nasce de sua vivência (p. 209). Nas suas palavras, “eu só existo. Daí, mais tarde, eu tento me lembrar de umas coisas e coloco-as no papel”.  Ele reconhece que, com seu comportamento, bagunçava vidas e almas (p. 256). Nas suas palavras, “Eu bagunçava vidas e almas como se fossem brinquedos (... ). Que espécie de merda era eu? Um sujeito capaz de armar jogadas bem malévolas e alucinadas. E qual a razão?  Será que eu estava querendo me vingar de alguma coisa? (...) Eu não tinha consideração por nada além de meu prazerzinho barato e egoísta” (p. 256).  Por fim, reconhece que isso pode ter origem na sua infância (p. 258), onde segundo ele, ‘nunca conheceu o amor’.

O ser-humano por trás da máscara. Chinaski reconhece que separações são difíceis (p. 246). “Fiquei pensando como são difíceis as separações. Mas era só rompendo com uma mulher que se encontrar outra. (...) Eu conseguia inventar homens na minha cabeça, pois era um deles; mas, as mulheres, era quase impossível escrever sobre elas sem as conhecer de fato”.  Ele teve uma crise de atordoamento por causa do seu comportamento (p. 256-261) e, sua saída foi ligar para Sara. Quando jovem vivia deprimido (p. 265), reconhece que era infantil e não sabe lidar com as coisas, como já salientamos (p. 305). Nas suas palavras, “sou muito infantil, não sei lidar com essas coisas”, referindo-se ao fato de tratar bem as pessoas que o amam. Sua escrita se desenvolve quando ele faz ‘tudo errado’ (p. 79) Ele era antissocial e no, entanto, aprendeu a amar e ser amado. 

Após tanta imoralidade, Chinaski reconhece que, o sujeito pode perder sua identidade (p. 315). Nas suas palavras, “um homem pode acabar perdendo a identidade de tanto galinhar”. O paradoxo de Chinaski se dá, para mim, quando ele diz ter um lado puritano (p. 311). Reconheço que como ele diz, puritanos gostavam mais de sexo do que se pensa. 

V. O poder transformador de uma mulher na vida de um homem: Sara.

Sara é uma das ultimas personagens do livro, mas aquele de cunho especial. Talvez equiparando-se tão somente a Lydia. Nas últimas narrativas, vemos um Chinaski transformado. Apaixonado, realmente desejoso de entregar-se sem reservas.  Nas suas palavras, “Sara era uma boa mulher. Eu tinha de me endireitar. Um homem só precisa de um monte de mulher quando nenhuma delas presta. Sara merecia muito mais do que eu estava lhe dando. Dependia de mim agora. E então, por incrível que pareça, Chinaski recusa encontrar-se com uma mulher para encontro de Sexo casual (p. 315-316).  Isso é significativo, pois ele em determinado momento diz numa tentativa de justificar-se que “o rei Mongut do Sião tinha 9 mil esposas e concubinas. O rei Salomão, do Antigo Testamento, tinha 700 esposas; Augusto, o Forte, da Saxônia, tinha 365 mulheres, uma para cada ano. Segurança em números” (p. 299). Agora ele deixava isso tudo, por Sara. 

VI. Cada mulher é única. A tônica do livro está na fala de Chinaski num diálogo com Liza Welton (p. 204): 

- O que você pensa das mulheres? Ela perguntou.
- Não sou um pensador. CADA MULHER É DIFERENTE. BASICAMENTE, ELAS PARECEM COMBINAR O QUE HÁ DE MELHOR E O QUE HÁ DE PIOR – duas coisas mágicas e horríveis. FICO CONTENTE QUE ELAS EXISTAM, DE QUALQUER JEITO. 
- Como é que você as trata? 
- ELAS SÃO MELHORES COMIGO DO QUE EU COM ELAS.
- E você acha isso justo?
- Não é justo, mas é como as coisas são.

VI. A superioridade das mulheres (p. 262)

“Elas levam vantagem sobre a gente. Planejavam muito melhor a sua vida, eram muito mais organizadas. Enquanto os homens viam os jogos de futebol, bebiam uma cerveja ou jogavam boliche, elas, as mulheres, pensavam em nós, concentravam-se, estudavam, decidiam - aceitar-nos, rejeitar-nos, mudar-nos, matar-nos ou simplesmente viverem conosco. No fim de contas, isto tinha pouca importância; não interessava o que elas faziam, nós acabávamos na solidão e na loucura.” 

Mulheres são, de fato, seres espetaculares. Elas são agente de transformação na vida de um homem. Podem ergue-lo ou arruína-lo. 

Minhas considerações sobre o livro são: Senti falta de uma conclusão adequada. A trama termina com Chinaski alimentando um gato que entrou na sua varanda. O palavreado pode soar meio vulgar para mentes ‘puritanas’ demais. E, como o próprio Chinaski reconhece, “Ficção e vida melhorada” (p. 213). O que Bukowski ou Chinaski me fez refletir é que a sua aceitação pessoal reflete na aceitação que as demais pessoas terão de você. Ele era quem ele era e as mulheres e amigos o aceitaram sendo assim, faz parte da universalidade da humanidade. Um escritor que só foi reconhecido 50 anos depois de sua morte...  Que ensinou uma tremenda lição: “Invente-se, depois, reinvente-se”.

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