A quinta petição do Pai-Nosso: Dá-nos o perdão

Perdoa-nos os nossos pecados, assim como perdoamos aqueles que pecaram contra nós...

Nessa petição voltamos os olhos para a obra de Deus, o Filho. Aquele em quem a Bíblia diz que perdoa todos os que nele creem (Cf. Atos 13:39). Nele, diz a Bíblia, há uma riqueza imensurável de perdão para os pecados (Cf. Ef. 1:7) e isso para que ele possa ser temido (Cf. Sl. 130:4).

O CONCEITO ESCRITURÍSTICO DO PECADO

Na Escritura temos diversas palavras para denominar o pecado e seus efeitos danosos em nossas vidas. Será extremamente útil tê-las diante de nós.

Hârâ  aparece 593x no A.T. Seu correspondente grego é Hamartia que aparece 173x no N.T.. Geralmente se traduz ambos os termos por “pecado”. A ideia por trás é “errar o alvo”.

Âwon aparece 231x no N.T. Seu corresponde grego é adikia que aparece no N.T. 25x. A ideia do hebraico é de algo torto e desfigurado; do grego, é algo fora do padrão. A imagem grega tem pano de fundo jurídico. Traduzimos ambos os termos por “iniquidade”. O termo ressalta mais as consequências nefastas que o pecado transmite a quem o pratica.

Peshâ aparece 93x no A.T. Sugere-se que seja a palavra com tom mais forte para falar do pecado nele. Seu correspondente grego é Parabasis no N.T.. Traduzimos, geralmente, por transgressão. A ideia que perpassa o termo é quebrar uma aliança, violar um acordo, atravessar uma linha proibida.

A IGREJA: SIMULTANEAMENTE JUSTA E PECADORA!

A igreja é composta de homens e mulheres redimidos por Jesus Cristo; apesar disto, eles e elas permanecem pecadores por todo o restante de sua vida terrenal. Essa é a razão pela qual Lutero em suas preleções e ensaios teológicos falava que os crentes são simultaneamente justos e pecadores. Pecadores com respeito ao primeiro nascimento (físico) e santos pelo segundo nascimento (espiritual – a regeneração). Ele usava a fórmula latina Simul iustus et peccator. Sendo a igreja composta por pessoas simultaneamente pecadoras e justificadas, ela própria é simultaneamente pecadora e santa.

Nas palavras do doutor em teologia e ministro da Igreja Luterana Oswald Bayer:

“Assim como o crente individual sempre continua também peccator, igualmente para a igreja vale o seguinte: Ela é simultaneamente santa e pecadora (simul sancta et peccatrix). Sim, até mesmo magna peccatrix; ela própria já confessa isso só pelo fato de orar a petição do perdão do Pai-Nosso[1]”.

DEFININDO O PECADO DO QUAL SE DERIVAM OS PECADOS

Como esclarece o Dr. Wilhelm Wachholz:

“A partir do Totus homo (todo homem), Lutero também compreendeu o pecado original. Segundo ele, o pecado não é somente concupiscência. Ou seja, o ser humano não somente tem pecados, mas é todo pecado. Para Lutero, o pecado original constitui-se da descrença, isto é, do afastamento de Deus. A descrença (Cf. Gn. 3:1ss) foi o primeiro pecado, do qual derivam todos os demais.[2]

Lutero tinha uma percepção amplamente bíblica de que o pecado condenatório não são atos pecaminosos, mas a condição incrédula do coração. Ecoando talvez João 3:14-21 e João 5:24 e outras passagens que tratam da incredulidade como fonte da condenação. Ele disse certa feita: “Nenhum pecado pode condená-lo a não ser a incredulidade. As Escrituras olham especialmente para o coração e para raiz e fonte principal de todo pecado, que é a incredulidade no coração (...) É por isso que Cristo chama somente incredulidade de pecado quando ele diz em João 16: ‘O Espírito punirá o mundo por causa do pecado de não crerem em mim’.”[3]

O pecado não pode ser totalmente destruído em nós nesta ao contrário do que ensinava João Wesley com sua teologia da santificação completa. Lutero esclarece: “O pecado original permanece nos cristãos até a sua morte, contudo, é mortificado e continuamente morto. Sua cabeça é esmagada em pedações de modo que não pode nos condenar.[4]

Lutero ensinava ainda que há duas espécies de pecados: Confessados e perdoados e aqueles que a gente tenta justificar e ninguém pode perdoar[5]. Para que haja perdão é necessário que haja reconhecimento de que se ofendeu à Deus ou ao próximo.

REDENÇÃO EM CRISTO: PERDÃO DE PECADOS

O perdão de pecados é declarado somente na Palavra de Deus e é nesta que devemos busca-lo; uma vez que se firma nas promessas de Deus. Ora, Deus perdoa-te os pecados não porque tu os percebes ou sentes muito, antes, ele perdoa-os porque é misericordioso e prometeu perdoá-los por causa de Cristo” assim ensinava Lutero[6].

Nossa primeira premissa é, portanto, que o anúncio do perdão dos pecados está na Palavra de Deus. Para Lutero, claro, havia uma compreensão tripla da Palavra: Escrita (Bíblia), Oral (pregação, absolvição) e sacramental (Batismo e Ceia do Senhor). Concentremo-nos, por ora, na via escrita da Palavra de Deus.

O ensino bíblico sobre o perdão dos pecados pode ser sintetizado como segue:

1.    Só Deus pode conceder o perdão – Marcos 2:7-10; Atos 5:31
2.    O perdão é um ato da misericórdia de Deus – Números 14:19; Salmo 78:38; Tito 3:4-7
3.    Deus quer perdoar – Neemias 9:17; Miquéias 7:18; Colossenses 2:13-15
4.    Para haver perdão é necessário arrependimento – Salmo 32:5; 51:17; Atos 3:19-20; 10:43
5.    A morte de Cristo é a base sobre a qual Deus perdoa todos os pecados, passados, presentes ou 
futuros (Mateus 26:28; Atos 13:38; Romanos 3:24-26; Efésios 1:7; Hebreus 9:11-14,26). 
6.    Uma vez que Deus perdoou pecados, eles são removidos para sempre (Salmos 103:12; Isaías 43:25; Colossenses 2:13-14; Hebreus 8:12; 10:17-18).


O PERDÃO NA PRÁTICA!

Os seguidores de Cristo têm a responsabilidade de pregar o perdão dos pecados e, por causa disso, tornam-se o meio pelo qual as pessoas creem no evangelho e são perdoadas, ou o rejeitam e permanecem em seus pecados (João 20:22-23; Atos 13:38).

Uma vez que as pessoas tenham sido perdoadas por Deus, elas têm a responsabilidade de perdoar quem pecar contra elas. Isso é mais do que um sinal de gratidão a Deus. É um requisito imposto a eles se quiserem experimentar o contínuo perdão de Deus em seus próprios fracassos (Mateus 6:12; 18: 21-35; Marcos 11:25; Lucas 6:37; 7:47; 17:4; Efésios 4:32).

Um adendo importante é feito através da vida de C.S. Lewis. É sabido de todos que ele e seu pai tiveram problemas durante toda a vida. O que pouca gente sabe é que Lewis demorou meio século para conseguir perdoar seu pai. A essa altura, ele já era mundialmente conhecido, cristão convicto, mas ainda não conseguia perdoar o pai. O perdão veio após muitas tentativas e – muitas delas – frustradas.[7]  

Não se espera que perdoamos no momento que somos ofendidos. Como bem pontuou o pastor americano Charles Swindoll : Os cristãos não são perfeitos, apenas perdoados![8]

CONCLUINDO...

Nada melhor que concluir com a definição proposta pela resposta dada à pergunta 126 no Catecismo de Heidelberg; ao oramos esse pedido, pedimos que:

Por causa do sangue de Cristo, não cobre de nós, miseráveis pecadores que somos, nossas transgressões, nem o mal que ainda há em nós[9], assim como tua graça em nós faz com que tenhamos o firme propósito de perdoar nosso próximo de todo o coração[10].

Ao orarmos esse pedido:

·         Reconhecemo-nos individual e coletivamente pecadores carentes do perdão divino;

·         Pedimos que Deus nos dê capacidade de amar a Igreja Local mesmo com suas falhas;
·         Pedimos que Deus livre o nosso coração da incredulidade;
·         Agradecemos a Deus pela obra consumada de Jesus na cruz do Calvário;
·         Pedimos ao Espírito Santo a capacidade de perdoar quem nos ofendeu;
·         Aprendemos a não exigir muito de nós com relação ao tempo de perdoar.






[1] BAYER Oswald, A Teologia de Martim Lutero: Uma atualização, traduzido por Nélio Schneider, São Leopoldo, Sinodal, 2007, p. 202.
[2] WACHHOLZ Wilhem Historia e Teologia da Reforma: Introdução, São Leopoldo, Sinodal, 2010, p. 93. (Ênfase nossa)
[3] LUTERO Martinho, Prefácio aos Romanos in Clássicos da Reforma, Martinho Lutero: Uma coletânea de escritos, São Paulo, Vida Nova, 2017, p. 192
[4] LUTERO Martinho, Conversas à Mesa, Brasília DF, Editora Monergismo, 2017, p. 145
[5] WOLF Manfred, Mais uma pergunta, Dr. Lutero São Leopoldo, 2011, p. 115
[6] Ibid. p.  143
[7] LEWIS C. S, CARTAS A UMA DAMA AMERICANA, Ed. Grand Rapids, 1967, p. 117.
[8] R, SWINDOLL Charles. Perseverança: A persistência de longo prazo como estratégia para vencer obstáculos. 1. ed. [S.l.]: Mundo Cristão, 2004. 272 p. v. único.
[9] Salmo 51:1; 143:2; Romanos 8:1
[10] Mateus 6:14-15

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