APOSTASIA: CAUSA, ESSÊNCIA E ANTÍDOTO – 1Tm. 4:1-16

Desde sempre a Igreja experimentou o perigo da apostasia. No Antigo Testamento, dentre 12 emissários havia 10 incrédulos. Dentre a liderança religiosa de Israel havia apóstatas como Datã, Coré e Abirão. Pedro disse em sua última carta que, da mesma forma, haveria falsos mestres na Igreja.  Com o surgimento do Cristo chegaram falsos Cristos. Com o surgimento do Mestre surgiram falsos mestres. Com a chegada do bom Pastor chegaram falsos pastores; e com eles veio também a apostasia. A apostasia não é coisa recente; ele se fará presente em todo o período da Igreja: Da chegada ao retorno de Jesus, isto é, nos últimos tempos.


Aqui Paulo delineia para nós a causa, a essência e o antidoto para a apostasia.

I.                    A CAUSA (1Tm. 4:1-2)

UM FALSO EVANGELHO

Mesmo na era apostólica havia um falso evangelho circulando. Nas igrejas da Gálacia, por exemplo, Paulo disse que mesmo que um anjo viesse do céu pregando um evangelho diferente deveria ser rejeitado (Gl. 1:6-8). Em Corinto, Paulo disse que um Jesus diferente, um espírito diferente e um evangelho diferente estavam sendo tolerados (2Co. 11:4). Onde houver pregação do verdadeiro evangelho haverá falsificação. Quando Paulo pregou na ilha de Chipre, havia um falso profeta chamado Elimas ou Barjesus que tentava desacreditá-lo (At. 13:6-12).

A apostasia é persistente. Doze anos antes, Paulo havia advertido os pastores em Éfeso do surgimento de falsos pastores (At. 20:17,29-30; 1Tm. 1:3). O falso evangelho destrona Cristo do centro.  João explica que os enganadores negam a encarnação e a paixão de Cristo (2Jo. 7,9). Tirou a cruz do centro da mensagem deixou de ser evangelho (1Co 2:2; Gl. 3:1).

Essas pessoas que se afastaram da fé o fizeram porque deram atenção àquilo que os demônios ensinavam. Essas pessoas se apegaram a espíritos enganadores, elas decidiram ouvir um falso evangelho, aqui na epístola chamado de “outra doutrina” (1Tm 1:3; 6:3). Ser apóstata nem sempre tem a ver com sair da igreja. Há apóstatas na igreja, eles são infiéis à mensagem cristã, eles adulteram o conteúdo do sermão para ser palatável aos ouvintes.

ATORES EM MEIO A PREGADORES

 Paulo disse que os falsos mestres eram hipócritas. Esse termo deu origem a nossa palavra ator.  Os fariseus foram chamados assim por Jesus (Mt. 23:28; Lc. 12:1). A hipocrisia circula os próprios crentes. Barnabé se deixou levar por atores  e foi resistido por Paulo (Gl. 2:13). Esses atores trazem para dentro da igreja destruição, negando a doutrina de Jesus (2Pe. 2:1). Eles são os falsos irmãos (2Co. 11:26; Gl. 2:4). São infiltrados no meio dos crentes (Jd. 4). São falsos apóstolos, são obreiros enganosos (2Co. 11:13).

Paulo enfrentou atores no meio dos pregadores em Corinto. Eles eram aqueles que ele ironicamente chama de superapóstolos (2Co. 11:5; 12:11). Um ator é um farsante; ele representa um papel. Simão, o mágico, é um exemplo destes. Ele iludia os samaritanos e tentou ser um mestre cristão, mas foi reprovado pelos apóstolos (At. 8:9-23).

É possível reconhecer um ator em meio a pregadores pelo seu comportamento. Eles professam conhecer a Deus, mas negam a Deus com suas atitudes (Tt. 1:16). Eles honram a Deus com os lábios, mas o coração deles está longe de Deus (Is. 29:13). Eles juram pelo nome do Senhor, mas não em verdade e nem em justiça (Is. 48:1). Eles expressam devoção, mas ambicionam lucros (Ez. 33:31). Eles pregam contra o furto e furtam; eles pregam contra adultério e adulteram (Rm. 2:21-22). Aparentam ter piedade, mas negam o seu poder; são reprovados na fé (2Tm. 3:5,8). Eles transformam a graça em pretexto para pecado (Jd. 4).

ATORES  MENTIROSOS E SEM CONSCIÊNCIA

O apóstolo continua dizendo que eles são mentirosos. Eles são filhos do Diabo, pois é mentiroso e pai da mentira (Jo. 8:44). Eles mudam a verdade de Deus em mentira (Rm. 1:25). Eles acreditam em mentiras (2Ts. 2:11). Eles amam e praticam a mentira, razão pela qual ficarão de fora do Reino de Deus (Ap. 22:15). Por mentirem, se opõem a sã doutrina (1Tm. 1:10). Eles negam que Jesus é o Cristo (1Jo. 2:22). Eles dizem amar a Deus, mas odeiam os irmãos (1Jo. 4:20). Eles não creem no testemunho de Deus acerca do seu Filho (1Jo. 5:10).

O apostolo continua dizendo que eles têm a consciência marcada por um ferro quente. Eles resistiram tanto aos avisos da consciência que a mortificaram. Eles apagaram o Espírito (1Ts. 5:19). A apostasia de que fala-nos o texto é um abandono intencional, consciente e constante. Cauterizar é queimar com fogo assim como fazemos com os bois atualmente.  Paulo diz que a consciência dos falsos mestres é corrompida (Tt. 1:15).

Uma consciência limpa é importante para o crente (1Tm 3:9). Tanto diante de Deus quanto dos homens (At. 24:16). Quem rejeita uma consciência limpa naufraga na fé (1Tm 1:19).  Só o sangue de Cristo pode purificar uma má consciência ou uma consciência morta (Hb. 9:14; 10:22).

II.                  A ESSÊNCIA (1Tm 4:3)

PROIBIR O QUE DEUS PERMITE: O CASAMENTO

O apóstolo diz que os falsos mestres proíbem o casamento. O casamento é criado por Deus (Gn. 2:18-24), sancionado por Jesus (Mt. 19:3-12), recomendado pelos apóstolos(1Co. 7:1-24). O celibato é caso especial.  Esse perigo foi real para a Igreja. Os monges eremitas muitas vezes extrapolaram em sua tentativa de mortificar a carne. Abandonaram famílias, deixaram bichos comerem seus corpos, às vezes, sequer tomavam banho.  Orígenes, por exemplo, castrou-se para viver melhor o evangelho. 

Como dissemos, celibato é caso especial (Mt. 19:11-12). É dom de Deus (1Co. 7:7). A regra cristã é o casamento (1Co. 7:9). Lembremo-nos que há uma ala do cristianismo que está terrivelmente equivocada em ordenar que seus párocos sejam solteiros.

O apóstolo Pedro era casado. Sua esposa o acompanhava nas viagens missionárias. O mesmo acontecia com os demais apóstolos  (1Co. 9:5). Jesus curou a sogra de Pedro (Mt. 8:14-15).

EXIGIR O QUE DEUS NÃO EXIGE: ALIMENTAÇÃO ESPECÍFICA

 A alimentação foi motivo de disputa na igreja antiga por causa do judaísmo. Numa mesma igreja era possível haver pessoas que comiam de tudo e pessoas que se privavam de comer certos alimentos (Rm. 14:2). A ordem apostólica, no entanto, é: “Não destruas a obra de Deus por causa da comida” (Rm. 14:20). Não é a comida que nos recomenda a Deus (1Co. 8:8). O que está em jogo aqui é a liberdade de consciência de cada um. Aquele que crê que comendo de tudo glorifica a Deus, deve continuar fazendo. Aquele que ainda é fraco na fé e não entendeu plenamente a liberdade que Cristo trouxe deve se abster conforme a sua consciência. O importante é que comendo, bebendo ou fazendo qualquer outra coisa glorifiquemos a Deus e não sejamos motivos de tropeço para irmãos (1Co. 10:31-32). Lembremo-nos que há uma seita que, como atos de salvação, recomenda uma dieta conforme instruídos pela sua profetisa. Outra destas seitas, seus iniciados não tomam café. E tudo isso, conforme vimos, tem procedência demoníaca. Os alimentos foram criados por Deus para serem recebidos com gratidão. O próprio Deus no-los deu para alimento.  Jesus ensinou que o que contamina o homem é o que sai do seu coração e não o que entra pela boca (Mt. 15:11). Paulo disse que tudo é puro para os puros (Tt. 1:15). Um alimento pode até ser rejeitado por motivos clínicos, mas jamais por motivos espirituais. Paulo diz que essas proibições não tem nenhum valor espiritual (Cl. 2:23).

III.                O ANTIDOTO: A PALAVRA (vs. 6,12,13,16)



 Aqui Paulo recomenda que o cristão se alimente da Palavra, pratique a Palavra, anuncie a Palavra e seja zeloso pela Palavra.

ALIMENTAR-SE DELA, ISTO É, EDIFICAR NOSSA MENTE COM ELA – v. 6

Jesus disse que vivemos pela Palavra de Deus. Jesus disse que sua comida consistia em fazer a vontade de Deus. O profeta Jeremias confessou que quando encontrou a Palavra de Deus se alimentou dela. Quando Deus vocacionou o profeta Ezequiel deu-lhe a comer sua Palavra. Quando João foi enviado às nações, o anjo deu-lhe a comer a Palavra.

Paulo recomenda que o cristão seja nutrido com a Palavra. Metaforicamente esse termo significa edificar a mente. Formar uma opinião. A Palavra de Deus deve renovar nossa mente (Rm. 12:1-2). Deve fomentar nossas opiniões de tal maneira que tudo o que pensarmos seja bom, louvável, nobre (Fp. 4:8). Devemos estar tao mergulhados na Palavra a ponto de podermos dizer que temos a mente de Cristo (1Co. 2:16).

PRATICAR A PALAVRA – v. 12

Ser padrão para os fiéis porque pratica a Palavra. Tiago nos encoraja a sermos praticantes e não apenas ouvintes da Palavra. Pedro nos encoraja a acolher com mansidão a Palavra em nós implantada que é poderosa para nos salvar. Não podemos ser hipócritas, atores. Temos que encarnar que o pregamos. Temos que ser as cartas vivas de Deus. Nossa fé deve ser respaldada pela Palavra: “Seja padrão na fé”. Nossa pureza deve ser criada pela Palavra: “na pureza”; nosso agir deve ser respaldado pela Palavra: “no procedimento”;  nosso amor deve ser cristão: “no amor”;  devemos ser o povo do Livro de fato e de verdade.

ANUNCIAR A PALAVRA – v. 13

O povo judeu estava habituado a ouvir a leitura da Lei e dos Profetas em suas sinagogas (Ne. 8:8), e essa prática foi levada às igrejas cristãs (1Ts 5:27; Cl. 4:16). Jesus leu as Escrituras na sinagoga em Nazaré (Lc 4:16ss), e Paulo costumava ler passagens das Escrituras quando visitava uma sinagoga (At 13:15). Essa é a bem-aventurança descrita em Apocalipse (Ap 1:3; 22:18,19).

A fé vem por ouvir a Palavra (Rm. 10:17). Ouvir é importante para o cristão. Lutero chegou a dizer que: “Se você perguntar a um cristão qual é sua tarefa e por que ele é digno do nome cristão, não pode haver nenhuma outra resposta senão que ele ouve a Palavra de Deus, isto é, a fé. Os ouvidos são os únicos órgãos do cristão  . A fé tanto quanto a incredulidade vem por ouvir. A fé vem por ouvir a Palavra de Deus, a apostasia vem por ouvir o Diabo. Os apóstatas são apóstatas por ouvirem espíritos enganadores.  Por essa razão é que Jesus insistiu tanto no ouvir. “Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt. 4:23). “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap. 2:7).

Um testemunho histórico: George Müller foi um missionário alemão na Inglaterra. Ainda na Universidade ele frequentava um grupo de devoção (collegia pietatis) ou PG. Lá, semanalmente, durante meio ano, ele ouvia a leitura de sermões impressos durante 1:30h.

ZELAR PELA PALAVRA – v. 16

Ter cuidado também significa ‘dar atenção’. Para que o cristão possa se alimentar, praticar, proclamar a Palavra é preciso antes que ele dê atenção à ela na sua vida privada. George Muller, por exemplo, em toda a sua vida a leu cerca de 300 vezes.

Ter cuidado também significa conferir cuidadosamente. O cristão precisa estar familiarizado com o 
texto bíblico, o contexto, as figuras de linguagem, o fluxo do pensamento. Ela precisa conhecer o percurso de todo o conselho de Deus. Ele tem que ter familiaridade mesmo com textos que ninguém mais lê: Genealogias, Tabernáculo de Moisés, Vestes sacerdotais, pois tudo o que se fez registrar aponta para Cristo e é para nossa consolação.

Ter cuidado também significa exibir, apresentar. O cristão precisa pregar. Anunciar. Ser arauto. Deus nos confiou a mensagem da reconciliação.  Precisamos dizer o que está escrito. Só podemos refutar o falso apresentando o verdadeiro. Temos que ensinar todos a manusearem suas Bíblias. O assim diz o Senhor hoje está no “está escrito”.  

Requer-se da liderança da igreja que ela esteja apta a ensinar (1Tm. 3:2). Antes de ensinar outros devemos ensinar a nós mesmos (Rm. 2:21). Toda ela deve ser ensinada (At. 20:28). Toda ela é útil para ensino (2Tm 3:16). É por ela que aprendemos sobre os dons que Deus nos deu e que não podem ser negligenciados (v. 14). Ela é o manual da salvação (v. 16; 2Tm 3:15).

Terminemos com a recomendação de Paulo. Ele diz (v. 11,15): “Ordene e ensine estas coisas. Seja diligente nestas coisas; dedique-se inteiramente a elas, para que todos vejam o seu progresso”.

Que Deus nos ajude a crescermos em graça, sabedoria diante de Deus e dos homens. Livres da apostasia por sermos pessoas apaixonadas pela Palavra de Deus.

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