Reforma Protestante: Teologia de Martinho Lutero - Comemoração 499 anos.
499 anos de Reforma: A
teologia de Lutero
Estamos às portas de comemorarmos
quatrocentos e noventa e nove anos de Reforma e para tanto abordaremos nesse
pequeno artigo o objetivo teológico de Martinho Lutero ao sustentar firme a
causa reformatória.
Oswald Bayer, ministro luterano e
estudioso de Lutero define o consolar
consciências atemorizadas como um dos muitos objetivos da teologia
reformatória de Martim Lutero[1].
Lutero viveu numa época em que a humanidade sentia ansiedade em relação ao
destino e à morte, culpa e condenação e vazio e falta de sentido existencial
espiritual[2]. O pavor da morte era tal que João Capistrano
chegou a levar uma caveira para o púlpito e pregar sobre a iminência e força da
morte. A situação era tão grave que no século XIV anunciou-se que se praticava
canibalismo, tamanha era a crise agrária. Violavam-se túmulos para comer carnes
dos mortos pelos pobres na Polônia e Silésia[3].
Nesse sentido o Lutero católico
era filho de seu tempo. Ao regressar de Erfurt para casa quase foi atingido por
um raio durante uma tempestade, por cuja causa vez voto monástico[4].
Nesse mosteiro agostiniano conheceu o superior da ordem geral da Alemanha:
Johann Stauptiz, que instou para com ele, que durante suas crises com Deus
pensasse nas feridas do dulcíssimo Salvador[5].
É nesse quadro que Lutero vai
adquirindo, aos poucos, sua teologia. Ele mesmo diz: Não aprendi minha teologia toda de uma vez, mas tive de busca-la mais a
fundo onde minhas tentações (Anfectungen) me levavam[6].
Lutero pôde falar tão fortemente
à sua geração, por ter ele experimentado ter uma consciência consolada. De
onde, pois, vem esse consolo que Martim Lutero objetivava transmitir com sua
teologia?
1.
Escrituras
Lutero era Baccalaureus Biblius (Bacharelado em Bíblia ou professor de Bíblia)
[7],
principalmente do Antigo Testamento[8].
Desde o meu encontro com as Escrituras
tenho desejado ardentemente que este livro esteja em todos os idiomas, em todas
as mãos, ouvidos e corações de todos os homens![9]
O desejo de Lutero e dos
reformadores em geral, era de que a Bíblia estivesse na mão do povo; que lhe
fosse a SUA Escritura: Uma pessoa que deseja ser salva deve agir
como se a Bíblia tivesse sido escrita exclusivamente para ela e não houvesse
ninguém mais na face da terra[10].
Lutero clamava aos bispos e papa: Dá-me
a Escritura, Escritura, Escritura! Ouvistes? Dá-me a Escritura![11].
Desejo, em primeiro, em segundo, em terceiro, que os apóstolos me sejam dados[12].
A Reforma não foi outra coisa
senão um retornar às Escrituras[13].
A redescoberta da Reforma aconteceu por ocasião de Lutero estar lendo Romanos
1:17 e também Romanos 4:5[14].
Os partidários da Reforma foram conhecidos como pessoas que gravitavam dentro
das Escrituras[15].
O aspecto consolador da teologia
de Lutero vem, portanto, da própria Escritura. Nisso ele está concordando com
Paulo[16]:
Pois tudo quanto, outrora, foi escrito
para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação
das Escrituras, tenhamos esperança. O cristão autêntico é aquele que diante
da tentação (Anfechtungen) compreende e experimenta quão justa, verdadeira,
doce, agradável, poderosa, CONSOLADORA é
a palavra de Deus[17].
2.
Promissão no Evangelho
Bayer nos informa que o elemento
reformatório da teologia de Lutero é o conceito de promissão que ele havia
defendido já em 1520 no escrito “Do
cativeiro Babilônico da Igreja[18]”,
no qual ele ataca o sistema sacramental da Igreja Romana[19].
Lutero disse: Deus jamais se relacionou
com o ser humano de outra maneira nem se relaciona com o ser humano de outra
maneira senão com a palavra da promissão. Inversamente, nós tampouco podemos relacionar
com Deus senão pela fé na palavra de sua promissão[20].
Essa promissão é o Evangelho. Entender o evangelho é entender que Deus se
importa conosco pessoalmente, entender que Cristo nos foi dado pessoalmente.
Ouçamos Lutero: “O ponto principal do
Evangelho é que antes de tomares Cristo como exemplo, o acolhas e o reconheças
como dádiva e presente que foi dado a ti pessoalmente por Deus, ou seja, que ao
vê-lo ou ouvi-lo fazer alguma coisa, não duvides de que ele, Cristo, com esse
fazer e sofrer seja teu, e nisto não te fies menos do que se tu o tivesses
feito, sim, como se tu fosses o próprio Cristo. Isso sim significa reconhecer
corretamente o Evangelho, ou seja, a bondade exuberante de Deus, a qual nenhum
profeta, nenhum apóstolo, nenhum anjo jamais pôde esgotar em palavras, nenhum
coração jamais pôde assombrar-se e compreender o suficiente. Isso é pregar a fé
cristã”[21].
“O anúncio do perdão dos pecados em nome
de Cristo – Isso é o evangelho”[22].
Os estudiosos de Lutero entendem
que o conceito de promissão refere-se a sentenças breves; do tipo: Eis que estarei convosco todos os dias até o
fim do mundo (Mt 28:20) Tais sentenças são promissões, promessas[23].
Para Lutero, o evangelho são expressões,
palavras e frases particulares que criam a realidade o que elas dizem. Frases
como: ‘Teus pecados estão perdoados’ ou ‘Eu estarei com vocês’ criam o estado de
coisas ao qual se referem. As palavras do evangelho são criadoras. Essa palavra
é ‘externa’ porque é comunicado por algum outro que é externo a nós[24].
Essa promissão é rememorada no Batismo e na Ceia do Senhor. Para Lutero, devemos nos aproximar de Deus
confiando nessas promissões que criam o estado de coisas que mencionam: “A fé que torna puro e digno é somente
aquela que não se apoia naquelas obras, mas na palavra completamente pura, confiável,
e firme de Cristo que fala: Vinde a mim todos que estais cansados e
sobrecarregados eu quero dar-vos alívio. Em suma: É na arrogação dessas
palavras que devemos aproximar-nos e aqueles que se aproximam dessa maneira não
passarão vergonha”[25].
É importante ressaltar aqui que o Evangelho é algo externo a nós, está na
palavra física de Cristo – na Bíblia. Lutero disse: Se Deus disse algo, isso virá a se cumprir. Não devemos perguntar se é
possível, mas se Deus o disse[26].
A que promissão Lutero se
referia? Ao perdão de pecados. Pode se pensar em Romanos 3:25 dizendo: QUE
PERDOA PECADOS. Em toda a Bíblia essa é a única sequencia de palavras que ele
destaca por meio de maiúsculas e numa glosa à margem, designa o texto assim
destacado como ‘a parte principal e o centro de toda essa epístola e de toda a
Escritura[27]. Leia com grande ênfase estas palavras, “eu”,
“por mim”, e acostume-se a aceitá-las e aplicá-las a você mesmo com uma fé
segura. As palavras NOSSO, NÓS e POR NÓS deveriam ser escritas em letras
douradas — o homem que não acredita nelas não é cristão[28].
Ao rememorarmos a Reforma que
venhamos a nos lembrar de um dos objetivos de Lutero: Consolar consciências atemorizadas (1Ts.5:14). Consolo advindo da
Palavra pregada em sua pureza e dos sacramentos (batismo e Ceia) corretamente
administrados. Palavra que em nome do Senhor, por algum cristão, se nos anuncia
o perdão de nossos pecados como promessa de Deus vinda até nós no Batismo, na Ceia
e na Prédica Dominical.
Somos igreja reformada, sempre se
reformando. Igreja que lembra sempre do princípio da justificação somente pela
fé que é artigo pelo qual ele se mantém de pé ou cai. Uma igreja que já na sua
oração (Pai Nosso) pede: “Perdoa nossos pecados” em coletividade e
individualmente[29]. A
mensagem de Lutero para nossos dias é que apesar de nós, temos um Deus
perdoador.
Recusaram ouvir-te e não se lembraram das tuas maravilhas, que lhes
fizeste; endureceram a sua cerviz e na sua rebelião levantaram um chefe, com o
propósito de voltarem para a sua servidão no Egito. Porém tu, ó Deus perdoador, clemente e
misericordioso, tardio em irar-te e grande em bondade, tu não os desamparaste (Neemias
9:17).
Tu lhes respondeste, ó SENHOR, nosso Deus; foste para eles Deus perdoador, ainda que tomando
vingança dos seus feitos. (Salmo 99:8)
Deus abençoe a todos, Feliz
Reforma Protestante!
[1]
BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero:
Uma atualização, São Leopoldo, Sinodal, 2007, p.VII
[2]
GEORGE, Timothy Teologia dos
reformadores, São Paulo, Vida Nova, 2013, p. 26
[3]
Ibid., p.26-27
[4]
OLSON, Roger E. História da teologia
cristã: 2000 anos de tradição e reformas, São Paulo, Editora Vida Nova,
2001, p. 385.
[5]
GEORGE, Timothy Teologia dos
reformadores, São Paulo, Vida Nova, 2013, p. 65.
[6]
Ibid,. p.62
[7]
Ibid., p.57
[8]
BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero:
Uma atualização, São Leopoldo, Sinodal, 2007, p VII.
[9]
APUD CESAR Elben Conversas com Lutero:
História e pensamento, Viçosa, Ultimato, 2006, p. 30.
[10]
MCDERMOTT Gerald R, Grandes teólogos:
Uma síntese do pensamento teológico em 21 séculos de Igreja, São Paulo,
Vida Nova, 2013 p. 88.
[11]
LAWSON Steven J A heroica ousadia de
Martinho Lutero São José dos Campos, SP, Fiel, 2013, p. 47.
[12]
BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero:
Uma atualização, São Leopoldo, Sinodal, 2007, p 61.
[13]
FERREIRA, Franklin Servos de Deus:
Espiritualidade e teologia na História da Igreja, São José dos Campos, SP,
Fiel, 2014, p. 193.
[14]
SANTOS, João Batista Ribeiro, Atlas de
estudos bíblicos: Com a história do contexto religioso, 2ª Ed., São Paulo,
Didática Paulista, 2011, p. 87.
[15] CANUTO, João S Os reformadores, Ourinhos, SP, Edições
Cristãs, 2ª Ed. 1983, p. 36.
[16] Romanos 15:4
[17] BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero: Uma atualização,
São Leopoldo, Sinodal, 2007, p 27.
[18] Ibid., p. 35
[19] EARLE, Cairns E. Cristianismo através dos séculos: Uma
história da Igreja Cristã, 3ª Ed, São Paulo, Vida Nova, 2008, p. 262.
[20] BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero: Uma atualização,
São Leopoldo, Sinodal, 2007, p 30.
[21] Ibid., p. 46 (adaptado)
[22] WOLF, Manfred Mais uma pergunta Dr. Lutero: Entrevista
com o reformador São Leopoldo, Sinodal, 2011, p. 57.
[23] BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero: Uma atualização,
São Leopoldo, Sinodal, 2007, p 37.
[24] HELMER, Christine (Org) Lutero: Um teólogo para os tempos modernos,
São Leopoldo, Sinodal, 2013, p 225-226.
[25] BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero: Uma atualização,
São Leopoldo, Siodal, 2007, p 5.
[26] [26]
LAWSON Steven J A heroica ousadia de
Martinho Lutero São José dos Campos, SP, Fiel, 2013, p. 46-47.
[27] BAYER, Oswald Teologia de Martim Lutero: Uma atualização,
São Leopoldo, Sinodal, 2007, p 5.
[28] GEORGE, Timothy Teologia dos reformadores, São Paulo,
Vida Nova, 2013, p. 61.
[29] Mateus 6:12
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