Um fato a meu respeito é que eu tenho uma predileção pela teologia de Martinho Lutero; nesse artigo espero expor as razões que me levaram à essa predileção.
- Lutero é um ser-humano antes de qualquer coisa.
Lutero é um homem antes de teólogo. Ele teve altos e baixos, medo, ousadia e ira. O seu medo é revelado na experiência da tempestade em Stotternheim onde ele decidiu entrar no mosteiro dos eremitas agostinianos. Sua ousadia pode ser vista na dieta de Worms diante do imperador Carlos V, quando ele exclamou: Minha consciência é cativa à palavra de Deus; finalmente, sua ira é demonstrada na relação da revolta dos camponeses, dos escritos anti-semitas e contra o papado.
Como homem, seu linguajar seria ofensivo para muitos atualmente. Certa feita, Lutero disse ao diabo que lhe lambesse o cu; em outra, disse que afugentou o diabo com um peido. Lutero chamava aqueles teólogos racionalistas de 'teólogos-porcos'.
Lutero possuía opiniões errôneas antes durante e depois da guinada reformatória. Antes da guinada reformatória, sua imagem de Deus e Cristo era desfocada. Deus era o Deus de ira; Lutero chegou a dizer que não conseguia amar a Deus que pune pecadores com o inferno, ele não o amava, antes o odiava. Cristo era um juiz vingativo e punitivo, quase tão semelhante ao diabo. Durante, Lutero condenou Ulrico Zuínglio pela sua posição concernente à Ceia, provocando assim a primeira cisão na Reforma. Depois, ele apoiou o massacre dos camponeses, se opôs aos judeus como enviados do Anticristo por não receberem o evangelho recém-descoberto.
Lutero era um homem de extremos. Numa das edições das Conversas à Mesa ele retrata sua vida como uma 'uma constante luta contra a melancolia', Sua vida era cercada por momentos de ócio; numa determinada carta a Felipe Melancton, ele escreveu: "Você me exalta demais… Sua alta estima a meu respeito me envergonha e me tortura, visto que – infelizmente – assento-me aqui à vontade, endurecido e insensível – ai de mim! –, orando pouco, lamentando pouco pela igreja de Deus. Em resumo, eu deveria ter o espírito ardoroso, mas eu queimo na carne, lascívia, preguiça, no ócio, na sonolência. Já se passaram oito dias em que nada escrevi, não orei nem estudei; isso se deu em parte por causa das tentações da carne, e em parte porque sou torturado por outros encargos”. Sua vida era cercada de ousadia. Quando convocado à comparecer diante do imperador em Worms, ele exclamou: "Irei a Worms ainda que todos estejam contra mim e hajam lá demônios tanto quanto as telhas das casas". Lutero inclusive reconhece numa conversa à mesa que ele não vivia o que pregava em certos momentos.
Lutero era um homem convicto. Lutero nasceu e morreu em Eisleben. Diante da iminência da morte, um de seus discípulos lhe indagou: "reverendo padre, morrerás confessando firmemente a doutrina que pregaste e ensinaste? Ao que Lutero respondeu: Já! (Isto é, sim, claro). Na dieta de Worms, ele exclamou: A menos que eu seja convencido pela razão pura e pelas Escrituras, não posso e não vou retratar-me, visto que os concílios têm errado tanto e se contradito tantas vezes. Estou preso às Escrituras que citei, não é certo e nem seguro ir contra a consciência, aqui estou, Deus me ajude".
2. Lutero é um teólogo paradoxal
Lutero trabalha em sua teologia conceitos que não conseguimos racionalizar. Conceitos como Comunicação de atributos entre as duas naturezas de Cristo, Deus oculto-revelado, Lei e Evangelho.
O conceito de comunicação de propriedades ou atributos (Communicatio Idiomatum) vem desde os pais da igreja com Gregório de Nissa. Significa que os atributos divinos de Cristo foram comunicados à sua humanidade e vice-versa. Graças à esse ensino, Lutero e os luteranos podem ensinar a presença real de Cristo na ceia. Cristo está em, com e sob o pão e vinho.
O conceito de Deus oculto e revelado vem de João Staupitz, superior da ordem agostiniana da Alemanha no séc. XVI, confessor de Lutero. O Deus oculto é aquele Deus que, segundo Lutero, age como se não se importasse e nem perguntasse por ti. O Deus oculto é, na visão de Lutero, parecidíssimo com o diabo. Ele não se deixa apreender na palavra, não se pode dirigir à súplica a ele.
O Deus revelado é o Deus Trino. Revelado por Cristo através do Espírito Santo. O Deus Pai que demonstra seu amor na criação, sustentando-nos com as criaturas, na redenção com a morte e ressurreição de Deus Filho Crucificado e na santificação com os carismas de Deus Espírito Santo. Lutero nunca resolveu esse conflito e nem eu espero resolvê-lo no presente artigo.
Lei e Evangelho - Lutero foi incisivo sobre esse ponto; chegou a ensinar que o que distingue verdadeiros crentes dos falsos crentes é a correta distinção nesse sentido, ainda que nessa vida ninguém consiga distinguir com perfeição. Lei é, para ele, é a primeira palavra de Deus; a palavra que nos informa que não conseguimos fazer e porque não conseguimos cumpri-la é a palavra condenatória de Deus para nós. Lutero se opõe aos antinomianos com esse conceito de Lei. A Lei não é restrita ao Antigo Testamento, antes, está presente também no Novo Testamento. Já o Evangelho, é última palavra de Deus para o homem, A palavra que informa que a despeito da incapacidade natural do homem, Cristo vem ao nosso encontro e nos é dado gratuitamente por Deus Pai como Salvador. É a boa nova de que em Cristo e em sua justiça todos os nossos pecados são tragados, a morte e o diabo vencidos. Há Evangelho tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. O proto-evangelho (Gn 3:15) é um exemplo. Agostinho bispo de Hipona, chamou Isaías de o Quinto Evangelista.
Lutero viveu entre tensões. Mesmo diante do amor revelado de Deus, tinha seus Anfechtungen. Os estudiosos de Lutero dizem que os luteranos de hoje encontram grande consolo ao ler sobre os Anfechtungen do reformador. Isso de certa forma cativou minha atenção. Hoje é inadmissível um cristão falar de suas lutas e crises espirituais. Lutero falava abertamente, inclusive ele queria ter escrito um livro somente sobre os anfechtungen, o que infelizmente não fez.
3. Lutero era cristocêntrico e cristológico
Quando ameaçado de morte, Lutero foi cercado pelos alemães e por eles protegido. Os alemães gritavam: "Lutero para sempre"! Lutero respondeu: "Lutero não, Cristo para sempre!". Quando soube que os adeptos da reforma estavam sendo chamados de luteranos ou chamando a si mesmos de luteranos, exclamou: Peço que meu nome seja calado e que ninguém se chame luterano, senão cristão. Que é Lutero? Pois se a doutrina não é minha! Eu também não fui crucificado por ninguém.
Lutero ensinava o Solus Christus (Cristo Somente) como único e exclusivo caminho para o Pai (Jo 14:6; At. 4:12; 1Tm 2:5).
Lutero aconselhava seus seguidores a olharem somente para o Cristo crucificado. Aprenda a conhecer a Cristo crucificado; a dizer-lhes: Senhor Jesus tu és minha justiça e eu teu pecado. Tu te tornaste o que não eras para que eu me tornasse o que eu não era.
4. Lutero era um teólogo de tradição
Lutero foi acusado pelo cardeal Caetano de fundar uma nova igreja. Todavia, uma coisa justa a ser dita é que Lutero prezou pela tradição saudável da igreja; ele preservou os credos, a fórmula da Calcedônia, desenvolveu catecismos para crianças e pastores, preservou a liturgia não corrompida pelo papado. Ele esteve em contato com os pais da igreja, Os capadócios e Agostinho, especialmente.
Graças à leitura de Lutero, descobri uma riqueza da tradição da igreja antiga.
Por agora, essas são as razões que me vieram à mente. Posteriormente pode ocorrer que eu atualize esse escrito com outras razões
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