Doutrina da Reprovação

A DOUTRINA DA REPROVAÇÃO



Dentro do estudo da doutrina da salvação, descobrimos que Deus, livre e soberanamente, elege alguns indivíduos para a salvação. Quando tratamos desse assunto, então, precisamos destacar que ao eleger alguns, Deus reprova outros.

O que vem a ser a reprovação? Segundo a Bíblia de Estudo de Genebra, Nota Teológica, página 1333, Reprovação é o nome dado à eterna decisão de Deus com relação àqueles pecadores que não foram escolhidos para a vida. Não os escolhendo para a vida, Deus determinou que eles não fossem transformados. Eles continuarão em pecado e, finalmente, serão julgados por aquilo que tiverem feito. Em alguns casos, Deus pode ir mais longe e remover as influências restritivas que protegem uma pessoa da desobediência extrema. Esse abandono, chamado de “endurecimento”, é, em si mesmo, uma penalidade do pecado (Rm 9:18; 11:25 conforme Sl 81:12; Rm 1:24,26,28).

Convém notar que ao ‘continuar em pecado’, eles agirão conforme a vontade do seu coração, que é continuamente mau (Gn. 6:5; 8:21) e extremamente corrupto (Jr. 17:10). O coração é, para usar a linguagem dos reformadores, uma fábrica de imagens e ídolos. De tal forma que nos eleitos, manifesta-se a misericórdia e a bondade de Deus e nos réprobos, a sua justiça (Rm. 11:22).

A reprovação é ensinada na Escritura não tanto com a ênfase da eleição. Algumas passagens: Isaías 8:14; Mateus 11:25,26; 21:42-44; Lucas 2:34,35; Romanos 9:13-24 2Coríntios 2:15,16; 1Pedro 2:6-8; Judas 4; Apocalipse 13:8; Provérbios. 16:4.

Wayne Grudem em sua Teologia Sistemática (p. 573-576) diz “A eleição para a salvação é vista como uma causa para regozijo e louvor a Deus, que é digno de louvor e recebe todo o crédito pela nossa salvação (veja Ef 1:3-6; 1Pe 1:1-3). Deus é visto como quem nos escolhe ativamente para salvação, o que Ele faz com amor e prazer. Mas a reprovação é vista como algo que traz tristeza a Deus, não deleite (veja Ez 33:11), e a responsabilidade pela condenação dos pecadores é sempre lançada sobre as pessoas ou anjos que se rebelam, nunca sobre o próprio Deus (veja Jo 3:18-19; 5:40)”. 

O próprio João Calvino disse com respeito à reprovação: “Decreto, certamente, horrível, confesso”. (Calvino, Institutas , 3.23.7); mas deve ser notado que sua palavra latina horribilis não significa “detestável” mas, antes, “pavoroso, que inspira terror”.

Os cânones de Dort (art. 15-18), a Confissão de Westminster (3.7) ensinam também a reprovação. Quando os cristãos falam de tal doutrina, geralmente a nomeiam como “dupla predestinação”. Lutero embora, segundo alguns, tenha enfatizado mais a predestinação que Calvino, não deu tanta atenção à doutrina da reprovação, conforme o Rev. Oswald Bayer na nota de rodapé 150 de seu livro "Teologia de Martim Lutero: Uma atualização".

O Rev. Ronald Hanko em sua Doutrina segundo a Piedade (p. 69-70) explica que a doutrina da reprovação tem, pelo menos, duas funções, que são: Demonstrar sua ira e seu poder nos réprobos e sua misericórdia nos eleitos (Romanos 9:22-23).

O Pr. Antônio Gilberto, na Teologia Sistemática Pentecostal (p. 366) traz um insight poderoso a esse respeito: "“Eleição” e “escolha” são apenas um termo, no original: ecloge. A eleição “olha” para o aspecto passado da nossa salvação (1Pe 1:2; Ef 1:4)". Embora o referido autor, por ser pentecostal, não endosse a doutrina da reprovação.

O Rev. João Ricardo Ferreira de França, ministro presbiteriano e professor no SPN (Seminário Presbiteriano do Norte), escreve em sua Introdução à Teologia Sistemática, oferecida pelo Centro de Estudos Presbiteriano (CEP) diz (p. 29ss): 

"Esta predestinação possui dois aspectos Eleição e Reprovação. Como é isso? Imagine uma moeda de duas faces (cara e coroa) a moeda seria a predestinação e as duas faces duas ações: Eleição e Reprovação.

A dupla predestinação abarca os seres morais criados por Deus a confissão de fé nos declara que existem: 

a) Anjos eleitos (2Timóteo 5:21) 
b) Anjos reprovados (Judas 6) 
c) Homens eleitos (Romanos 9:23; Efésios 1:3-5) 
d) Homens reprovados (Romanos 9:22)

Ele ainda elucida ainda mais o assunto ao escrever: "a manifestação ou a recusa de sua misericórdia tem como alvo a glória de seu soberano poder: Esta é a segunda verdade revelada na seção 7 da Confissão de Fé de Westminster: “como lhe apraz, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas” Deus tem todo o poder de realizar o que bem quiser com suas criaturas, pois, ele pode revelar sua a graça a uns e não a outros “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.” (Mateus 11:25-26)". 

O pastor presbiteriano vai além e nos diz (p. 32): A Reprovação tem como finalidade a condenação dos pecadores: Este é aspecto mais polêmico da doutrina da reprovação. A Confissão reconhece que o segundo propósito da reprovação é manifestar a condenação dos pecadores. Assim declara a Confissão de Fé de Westminster: “foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados.” Deus não contempla os reprovados para serem alvos de sua ação misericordiosa. 

Comentando exegeticamente o texto de Judas 4, ele diz: Vejam aqui temos a tônica da reprovação. Estes homens foram “antecipadamente pronunciados” no grego temos o verbo “προγεγραμμενοι” – progegramenoi – que tem a ideia de algo que foi estabelecido antes que permanece assim e que não poderá ser alterado; eles foram postos para serem condenados – selados antecipadamente para esta condenação!

A Escritura demonstra alguns homens que foram destinados à serem réprobos. Judas 11, cita pelo menos, três deles: Caim, Balaão e Corá. Paulo, em Romanos 9, cita outro: O faraó (controvertido de quem seja) da época do êxodo. Podemos mencionar ainda outro réprobo: Saul (1Sm. 28:16).  Outros reprovados podem ser mencionados:  Himeneu e Fileto (2Tm 2:17), Hofni e Finéias (1Sm 2:25), Elimas (At. 13:8) e Janes e Jambres (2Tm. 3:8)

Baseado na vida destes homens podemos concluir que:

• Usufruir da graça comum não é sinal de eleição de Deus

Caim, ao peregrinar para Node, recebeu de Deus uma marca para protegê-lo da morte. Isso é a graça comum. Jesus, em Mateus 5, nos ensina que o Pai faz sua chuva cair sobre maus e bons e o seu sol se levantar sobre justos e injustos, sobre eleitos e réprobos. Graça comum não é sinal de eleição. A graça comum refreia a extrema depravação humana, mas não salva.

• Usufruir bençãos temporais não é sinônimo de eleição de Deus

Esaú se casou, teve família (Gn. 36:2), foi rico (Gn. 33:8), mas não foi salvo. Diz a Escritura em Romanos 9, que Deus odiou Esaú, isto é, ele tornou-se, ou conforme o grego, foi adaptado para ser um réprobo.

• Frequentar a igreja não é sinônimo de eleição divina

Hofni e Finéias eram filhos do sumo-sacerdote Eli. Descendentes de Arão. Cresceram no tabernáculo, cresceram lidando com o culto solene. Mas o veredito divino sobre eles eram: O SENHOR OS QUERIA MATAR! Corá era líder religioso em Israel e foi reprovado por Deus. Ir à igreja é uma atividade dos eleitos, mas não garante eleição. Claro, a Escritura ordena aos eleitos cultuar (Hb. 10:25) e também ensina que muitos anticristos saíram do meio da igreja (1Jo 2:18,19).

Himeneu e Fileto eram professores na igreja e ensinavam doutrinas espúrias, ao ponto de o apóstolo censurá-los em uma carta pastoral. Aqui, claro, cabe dizer que doutrina correta é necessária. Judas 3, ensina a igreja a lutar por preservar o corpo doutrinário sadio transmitido pelos apóstolos e pelos profetas. Janes e Jambres também foram reprovados apesar de terem cargos eclesiásticos.

• Ter cargo de autoridade não é sinônimo de eleição.

Faraó tinha autoridade sobre o Egito antigo,era o senhor daquelas terras, todavia não era eleito.

Diante da doutrina da reprovação, o apóstolo Pedro, em sua carta (2Pe 1:10) encoraja aos crentes a confirmarem sua eleição. Como, no entanto, fazê-lo?

1.  Para Lutero, a raiz da eleição está no Cristo crucificado e na Palavra externa/Sacramentos

"Se alguém está demasiadamente temeroso de que não é um eleito de Deus, ou se é tentado por causa de sua eleição, deve dar graças por esse temor e ficar contente por ter medo, pois pode saber com toda certeza que Deus não pode mentir, ele que disse: “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado”, isto é, o espírito desesperado. “Coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus” (Salmo 51:17). Que está atemorizado, isso ele o sabe de experiência própria. Portanto, deve lançar-se resolutamente na veracidade de Deus que faz a promessa: deve esquecer, esquecer mesmo a ameaça de Deus, e então será salvo e eleito.

Quem ainda não tem o espírito purificado não deve entregar-se a esse tipo de meditação, para que não caia no abismo do terror e do desespero. Mas deve, antes, purificar seu coração pela contemplação das feridas de Cristo.

Este é um vinho bastante forte e a mais completa refeição, a comida pesada dos perfeitos, ou seja, teologia no sentido real da palavra, da qual o apóstolo fala em 1Coríntios 2:6: “Expomos sabedoria entre os experimentados”. Eu, porém, sou criança pequena que precisa de leite. Que siga meu exemplo aquele que, juntamente comigo, é criança pequena. Certeza suficiente temos nas feridas de Cristo". (Fonte)

A dogmática cristã publicada pela editora Concórdia (p. 273) diz: Afirmou Lutero: "Não devemos, como o fazem os sectários, imaginar que Deus nos conforte imediatamente, sem sua palavra. O conforto não nos vem sem a Palavra, que o Espírito Santo efetivamente traz à memória e acende em nossos corações, ainda que não tenha sido ouvida por dez anos."

Quando acossado por tentações, Lutero repetia a si mesmo: "Sou batizado". Para Lutero, Batismo é um rito para a vida toda. Para ele, toda vida cristã é um contínuo batismo; a razão disto é que para Lutero toda a vida cristã é um batismo diário.

2. Para João Calvino, a certeza da eleição, vem por meio da convicção do amor paterno de Deus mediante a Palavra externa

Nas Institutas da Religião Cristã (3.12.2), Calvino assevera que, conforme o ensino de Cristo e seus apóstolos, somente a fé dos eleitos é real (Mt. 15:13; Tt. 1:1). Razão pela qual Paulo requeria dos cristãos uma fé não fingida (1Tm 1:5). Um dos sinais da reprovação, segundo Calvino, é a ausência do sentimento paterno de Deus, ele diz: "Assim, por certo tempo vicejou em Saul um afeto piedoso para que amasse a Deus, de quem, reconhecendo ser tratado paternalmente, era tomado de algum dulçor de sua bondade. MAS, UMA VEZ QUE NOS RÉPROBOS NÃO SE ARRAIGA PROFUNDAMENTE A CONVICÇÃO DO PATERNO AMOR DE DEUS, NÃO O AMAM PLENAMENTE COMO FILHOS; PELO CONTRÁRIO, SÃO CONDUZIDOS POR CERTA DISPOSIÇÃO MERCENÁRIA. Ora, só a Cristo foi dado esse Espírito de amor, com esta condição: que o instile em seus membros; na verdade esta afirmação de Paulo não se estende para além dos eleitos: “Porquanto o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” [Rm 5:5]; isto é, esse amor que gera aquela confiança de invocação que abordei acima [Gl 4:6]".

Aplicações 

1. Que Possamos, pela graça e ajuda de Deus, Pai, Filho, Espírito Santo, nos expormos e sermos expostos aos meios de graça (Palavra e Sacramentos) com fé, por eles não são ex opere operato. São, todavia, o meio que Deus institui para dar-nos o seu Espírito ainda que não exclusivamente.

2. Que a afirmação da Igreja possa ser, 'a todos quantos o receberam, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, a saber aos que crêem no seu Nome" (Jo. 1:12). Não sejamos ecumênicos dizendo "Todos são filhos de Deus". Não, a Igreja é a comunidade dos filhos adotivos de Deus. Somos, como Paulo diz: "Família de Deus" (Ef. 2:19).

3. Spurgeon, ministro batista reformado do séc. 19, dizia que aquele que tivesse disposição de aproximar-se do Senhor desejoso de salvação era eleito. Deus dá a fé salvífica, ele é o autor da fé (Hb. 12:2), se, portanto, temos o desejo de aproximarmos do Senhor para recebermos dEle a fé, somos levados a crer na nossa eleição (At. 13:48).

Que Deus nos ajude! Que Deus nos faça guardados em Jesus pelo seu poder (Jd. 24; 1Pe. 1:5)

  Para a glória do Seu Nome.

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