A supremacia de Cristo: Bíblica, Teológica e exegeticamente [Cl. 1:15-20]
“Nada decidi saber
entre vocês senão Jesus Cristo e este crucificado” - 1Co. 2:2
Jesus Cristo é o personagem
principal de toda a história humana e também o personagem principal de toda a
Escritura. É costumeiro dividir a Escritura como preparação, chegada e
explanação de Cristo. Preparação fala-nos do Antigo Testamento onde ele é o
Messias esperado. Anúncio ou chegada fala-nos dos evangelhos onde temos as obras
de Jesus pelos homens. Explanação fala-nos das epístolas e Apocalipse onde nos
é explicado a Pessoa e a Obra de Jesus pelos homens e sua vitória final sobre o
mal de forma definitiva.
I.
A
supremacia de Jesus na Escritura
O apóstolo João informa que Jesus
é o Deus preexistente [Jo. 1:1]. O apóstolo Paulo o chama Senhor [1Co. 8:6] e
Deus bendito [Rm. 9:5]. Pedro o chama de Salvador [At. 5:31]. Teólogos entendem
que a teofania do Anjo do Senhor no
Antigo Testamento fala de Cristo,
pois ninguém nunca viu Deus, o Pai [Jo. 1:18]. Além do mais, Ele tem o nome do
Senhor e é distinto dele [Ex. 23:21] e é dito que ele é Deus [Jz. 13:22]. Daí
se segue que Jesus não é somente anunciado no Antigo Testamento, mas estava
também atuando ativamente nele.
No Novo Testamento, Jesus aparece
como figura principal em todas as páginas. João Batista disse que Jesus tinha a
primazia [Jo. 1:15,30]. Fato ao qual Paulo anui [Cl 1:18], bem assim João [Ap.
1:5-6]. Jesus reconhece que a Escritura testifica dele mesmo [Jo. 5:39] e
ensinou seus discípulos tudo que constava a seu respeito nela [Lc. 24:44].
Cristo é a manifestação da boa
vontade de Deus para o homem [At. 10:38]. É a perfeita vontade de Deus para o
homem [2Co. 4:4; Cl. 1:15]. Cristo é o concessor dos dons de Deus para a Igreja
[Ef. 4:7-11]. Cristo é o concessor do Espírito Santo e do arrependimento [At.
2:33; 5:31]. Cristo é o centro da pregação cristã [1Co. 2:2]. Cristo é o único mediador
entre a Divindade e a humanidade [1Tm. 2:5]. O único caminho para o Pai [Jo.
14:6].
Para os amanuenses bíblicos,
Cristo tem a primazia [Jo. 1:15,30; Cl. 1:18]. Esse termo ‘primazia’ [gr. Πρωτος] significa “primeiro
em tempo e lugar; primeiro em posição, honra; principal”. O próprio Jesus
reconhece como sua a primazia [Ap. 1:17; 2:8; 22:13]. A honra de Jesus foi-lhe
conferida por Deus o Pai para que todo
joelho se dobre e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para a
glória de Deus Pai [Fp. 2:11]. Já que o nome de Jesus é o nome que está sobre todo o nome [Fp. 2:9].
Cristo Jesus é a revelação plena de
Deus Pai para a humanidade [Jo. 1:18]. Ele é o eikon de Deus. A palavra eikon
[imagem] não significa uma simples cópia, mas a revelação e iluminação da
essência de algo ou alguém. Cristo revela a essência e natureza de Deus.
II.
A
supremacia de Jesus na Igreja ao longo da história
Na Igreja Antiga, “todos os pensamentos sobre a vida religiosa
tinham como centro a pessoa de Cristo[1].
Cristo era o supremo objeto do pensamento cristão, pois era o fundamento e a
força do cristianismo[2]”.
Segundo Karl Barth “A fé cristã se sustenta ou cai de uma vez
por todas com o fato de que Deus e somente Deus é o seu objeto. Ela cai se alguém rejeita a doutrina bíblica de que Jesus Cristo é o Filho de
Deus, e de fato o Filho unigênito de Deus e, portanto, a completa revelação de
Deus e que toda a reconciliação entre Deus e o homem está nele”[3].
De acordo com Justo Gonzalez, “no início do século II o governador Plínio
escreveu uma carta afirmando que os
cristãos reuniam-se todo domingo para cantar hinos a Cristo como Deus”[4].
Roger Olson nos informa que “o fato de que os cristãos antigos adoravam
Jesus Cristo como Deus é bem documentado por autores não-cristãos do século II.
Celso (filósofo romano anticristão de meados do século II ridicularizou os
cristãos por cultuar um ser-humano como
Deus:
Ora se os cristãos adorassem apenas um Deus,
eles poderiam ter a razão a seu lado. Mas de fato adoram um homem que só
apareceu recentemente. [...] E a adoração desse Jesus é a mais ultrajante
porque se recusam a prestar atenção a
qualquer conversa sobre Deus, o pai de tudo, a menos que inclua uma
referência a Jesus. [...] E quando eles
o chama filho de Deus [...] estão tentando elevar Jesus às alturas[5].”
Agostinho, o grande bispo
norte-africano escreveu no seu Enchindion:
Fé, esperança e amor o seguinte: “motivo
pelo qual Cristo Jesus, o Filho de Deus
é Deus e homem. É Deus antes de todas as eras; homem em nosso tempo. Ele
é Deus porque é a Palavra de Deus, porque o Verbo era Deus. Porém ele é homem pois
em sua pessoa foram unidas à Palavra uma alma racional e um corpo. Portanto, na
medida em que ele é Deus, ele e o Pai são um; mas na medida que é homem, o Pai
é maior que ele. Uma vez que ele foi o único Filho de Deus, não por graça, mas
por natureza, para que ele também ficasse cheio de graça, ele se tornou
igualmente Filho do Homem; e o mesmo único Cristo é resultado da união de ambos
[...] Ser Deus e homem não fez dele dois filhos de Deus, mas um único Filho de
Deus: Deus sem começo, homem com começo definido – Nosso Senhor Jesus Cristo.[6]
Lutero, reformador da Igreja, no
século XVI disse o seguinte de Cristo Jesus:
“Somente Jesus Cristo é o princípio e o fim de
todas as minhas cogitações teológicas dia e noite [...] É suficiente para nós
aprender e conhecer Cristo em sua humanidade, na qual o Pai revelou a Si
mesmo".[7]
Aqui, percebe-se claramente que Lutero
seguia Irineu de Lião que assumia toda a discussão cristológica a partir da
encarnação. Irineu dava grande significado à união de Deus com a humanidade[8].
A Igreja faz bem em reter o que
Vicente de Lérins, Pai da Igreja, ensinou no que ficou conhecido como “canon vicentino”: Nós devemos manter o que
foi crido por toda a parte, sempre e por todos.
A igreja cristã sempre confessou um só Cristo verdadeiro Deus,
consubstancial com o Pai desde toda a eternidade e verdadeiro homem,
consubstancial a nós homens desde que nasceu da Virgem Maria. Uma única pessoa
com duas naturezas. Confessando a natureza teantrópica de Cristo, sua
supremacia, estamos conectados com as raízes de nossa fé. Àquela Igreja Antiga
fundada sobre os apóstolos e profetas [Ef. 2:20].
III.
Análise
de um trecho bíblico relevante: Colossenses 1:15-20
Este é a imagem do Deus invisível, o
primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos
céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam
soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e
para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça
do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para
em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele, residisse
toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio
dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos
céus.
Em primeiro lugar, Jesus Cristo é
a exegese de Deus, a expressão visível do
Deus invisível [1:15a]. O apóstolo Paulo afirma: “Ele é a imagem do Deus
invisível” [1:15ª]. Deus como Espírito é invisível e sempre será (1Tm. 6:16).
Mas Jesus é a Sua visível expressão. Ele não apenas reflete Deus, porém como
Deus Ele revela Deus para nós [Jo 1:18; 14:9]. Jesus é a imagem, não a
imitação, de Deus. A palavra “imagem” significa uma representação e uma
revelação exata. Quem vê o Filho, vê igualmente o Pai [Jo. 14:9]. O Filho é a
imagem exata do Ser do Pai [Hb. 1:3]. Quem quer saber como é Deus, considere
atentamente a pessoa de Jesus Cristo: Seu amor e Sua indignação; Sua
misericórdia e Sua denúncia dos hipócritas; Sua humildade e Sua majestade; Sua
atitude de servo e Seu senhorio.
Em segundo lugar, Jesus Cristo
tem a mais alta honra na criação (1:15b). A expressão “primogênito da criação”, (gr, prototokos) não se refere à natureza
temporal, ao tempo de nascimento; antes, é um título de honra. Significa que
Jesus é o primeiro em importância. Carrega a idéia de prioridade, superioridade,
preeminência e supremacia. A palavra enfatiza a preexistência e singularidade
de Cristo, bem como a Sua superioridade sobre a criação. Cristo foi antes de
"toda a criação" no tempo, e Ele está sobre "toda a
criação" em autoridade. Tendo em vista o contexto (vs. 16-20), a ênfase principal
parece estar em sua soberania.
Em terceiro lugar, Jesus Cristo é
o autor da criação (1:16). Jesus Cristo é a fonte da criação. A expressão
“nele”, (gr. en autou) denota Cristo como a esfera dentro da qual a
obra da criação ocorreu. Todas as leis e propósitos que guiam a criação, bem
como o governo do universo, residem Nele.
Jesus Cristo é o agente da
criação (1:16b). A expressão “por meio dele”, (gr. di autou) descreve Cristo como o instrumento imediato da
criação. Jesus Cristo é o alvo da criação. Paulo conclui: “... tudo foi criado [...]
para ele” (1:16c). A expressão “para ele”, (gr. eis auton) indica que Cristo é
o alvo da criação. O mundo foi criado para o Messias. A história está se
movendo em direção a um objetivo, quando todo o universo criado irá glorificar
a Cristo (cf. 1Co. 15:25; Fp 2: 10-11; Ap 19:16).
Jesus Cristo é o sustentador da
criação (1.17b). Paulo conclui: “Nele, tudo subsiste”. A palavra grega sunesteken, “sustentar, manter”, revela
o princípio de coesão do universo; Jesus é o centro de coerência e coesão do
universo.
Cristo enquanto Imagem (gr. Eikon) denota três coisas: Semelhança, representação e manifestação. Cristo
representa exatamente quem Deus é para nós. Cristo manifesta Deus em sua
plenitude para nós; todo seu amor, bondade, justiça, santidade, ira,
misericórdia e todos os demais atributos comunicáveis e incomunicáveis devem
ser vistas à luz da ação de Cristo.
Cristo é o primogênito de toda a
criação. Embora seja gramaticalmente possível traduzir isso como 'Primogênito
na Criação', o contexto torna isso impossível por cinco razões: (1) O ponto inteiro da passagem (e o livro) é
mostrar a superioridade de Cristo sobre todas as coisas. (2) Outras declarações
sobre Cristo nesta passagem (como Criador de todos [1:16], defensor da Criação
[v. 17], etc.) claramente indicar Sua
prioridade e superioridade sobre a Criação. (3) O 'Primogênito' não pode ser parte da
Criação se Ele criou 'todas as coisas.' Não se pode criar a si mesmo. (As
testemunhas de Jeová acrescentam erroneamente a palavra "outro" seis
vezes nesta passagem em sua Tradução do Novo Mundo. Assim eles sugerem que
Cristo criou todas as outras coisas depois que Ele foi criado! Mas a palavra
'outro' não está no Gr.) (4) O 'Primogênito' recebeu adoração de todos os anjos
(Hb 1:6), mas criaturas não deve ser adorado (Ex. 20:4-5). (5) A palavra grega para
Primogênito é prototokos. Se Cristo
fosse o 'primeiro criado' a palavra grega teria sido protoktisis.
Ele é o princípio, o primogênito de entre os
mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele,
residisse toda a plenitude [gr. Pleroma] e que, havendo feito a paz pelo sangue
da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer
sobre a terra, quer nos céus.
A proeminência do Filho é vista
com maior clareza na obra da redenção (v. 20). Na literatura gnóstica o termo pleroma [plenitude] indica uma série de emanações angélicas que
supostamente mediavam entre Deus e humanidade. Paulo diz que o pleroma não estava nos anjos, mas sim no Filho. Ele é
o caminho para o Pai [Jo. 14:6] e o mediador entre Deus e a humanidade [1Tm.
2:5].
A importância da linguagem usada
pelo apóstolo é indicar que o completude da auto revelação de Deus estava
focada em Cristo e que a obra da reconciliação completa entre humanidade e Divindade
é mediada por Cristo Jesus. Ele é o mediador da criação e da redenção e autor
de ambas as coisas.
A palavra grega traduzida
"habitar" (katoikesai)
significa habitar permanentemente. Isso contradiz a ideia de que Cristo possuía
poder divino apenas temporariamente. Cristo é pleno Deus e pleno homem.
Orígenes até cunhou a expressão Deus-homem.
Por causa do pleroma de Cristo temos nossa plerose.
Por causa da suficiência de Cristo, tornamo-nos satisfeitos n’Ele.
A supremacia de Cristo é realçada
também no alcance de sua obra (v. 20). Cristo reconciliou consigo o mundo todo, isso
certamente inclui o mundo angélico, mas não o Diabo e suas hostes. O que a obra
da reconciliação fez foi trazer o Diabo e suas hostes à autoridade de Cristo à
vista dos homens. Cristo já os dominava como seu Criador, agora, pela obra da
reconciliação, demonstra seu senhorio subjugando-os na vitória da cruz (Cl.
2:14-15).
Aqui nesses versos (vs 15-20)
temos treze declarações poderosas a respeito de Cristo:
1. Ele é a imagem do Deus invisível (v. 15).
|
2. Ele é o primogênito da criação (v. 15)
|
3. Ele é o originador da criação (v. 16).
|
4. Ele é o agente da criação (v. 16).
|
5. Ele é o objetivo da criação (v. 16).
|
6. Ele é o antecedente da criação (v. 17).
|
7. Ele é o sustentador da criação (v. 17).
|
8. Ele é o chefe da igreja (v. 18).
|
9. Ele é o primogênito dos mortos (v. 18).
|
10. Ele é o proeminente (v. 18).
|
11. Ele é a plenitude de Deus (v. 19).
|
12. Ele é o reconciliador de todas as coisas
consigo mesmo (v. 20).
|
13. Ele é o criador da paz (v. 20).
|
Os versos 15-18 é chamado de “A
grande Cristologia da Bíblia”. Já os versos 15-20 são chamados de “hino em
homenagem à Cristo”. A poesia desse texto parece seguir a rítmica hebraica e não
a rítmica grega. A supremacia de Cristo é vista a todo momento. A primeira
parte se concentra em seu papel proeminente na criação, enquanto a segunda
enfatiza sua obra como Redentor. Sua supremacia não deve ser dividida com
ninguém: Seja com homens, anjos ou demônios; Cristo permanece soberano para
sempre!
[1]
NICHOLS, Roberts Hastings, História da
Igreja Cristã , 14ª Edição, São Paulo, Cultura Cristã, 2013, p. 34.
[2] Ibidem,
p. 46
[3]
FERREIRA, Franklin, O credo dos
apóstolos: as doutrinas centrais da fé cristã, São José dos Campos, SP,
Fiel, 2015, p. 203.
[5]
OLSON, Roger E. Histórias das controvérsias
cristãs: 2000 anos de unidade e
diversidade São Paulo, Editora Vida, 2004, p. 322.
[6]
Ibidem, p. 325.
[7]
LUTERO, Martinho Conversas à mesa, Brasília,
DF, Ed. Monergismo, 2017, p. 116.
[8]
BERKHOF, Louis A história das doutrinas
cristãs, São Paulo, PES, 1992, p. 60.
Comentários
Postar um comentário
Quando os comentários serão excluídos:
1. Quando ofender a qualquer pessoa envolvida.
2. Quando houver desrespeito com as convicções alheia
3. Quando houver uso de palavras chulas
4. Quando fugir do tópico supracitado
5. Reservamo-nos ainda ao direito de acrescentar ou retirar cláusulas quando julgar conveniente.
Os administradores.