E Deus se lembrou...
Essa frase ocorre com frequência no Antigo Testamento. Poucas são as vezes que ela fala de uma coisa negativa, em geral, castigo (Cf. Sl. 137:7; Os. 7:2; 8:13; 9:9; Ap. 18:5). Na sua maioria, essa frase denota algo bom, uma intervenção misericordiosa de Deus para o planeta e especialmente para o homem. Majoritariamente está sempre ligada à aliança que Deus fez com o homem antes do Dilúvio, nos patriarcas, no Sinai, isso porque essa frase é quase exclusiva do A.T. Enquanto povo de Deus devemos orar (Is. 64:9): "Não te lembres constantemente das nossas maldades. Olha para nós, somos teu povo"! O povo de Deus constantemente orava para que Deus se lembrasse da sua aliança (Cf. Jr. 14:21): "Lembra-te da tua aliança conosco e não a quebres (...) por amor do teu nome".
Quando, por exemplo, em Levítico 26 o povo de Deus está no seu pior momento, Deus promete: 'Eu me lembrarei da minha aliança com Jacó, da minha aliança com Isaque, da minha aliança com Abraão e, também me lembrarei da minha aliança com a terra. [...] Mas por amor deles eu me lembrarei da aliança com os seus antepassados que tirei da terra do Egito à vista das nações, para ser o Deus deles. Eu sou o SENHOR' (vv. 42,45 - NVI). Quando se evoca a lembrança de Deus é o pedido de auxílio (Cf. Jr. 15:15): "Lembra-te de mim e vem em meu auxílio". O profeta disse em meio à calamidade: 'Lembra-te, SENHOR, do que tem acontecido conosco; olha e vê a nossa desgraça' (Lm. 5:1). É como se ele dissesse: "Socorro, SENHOR, estamos arruinados! Ajuda-nos!"
Há quem diga que Deuteronômio é o livro das recordações do povo de Deus; pois nele, a advertência "lembre-se" ocorre muitas vezes (para exemplo, 4:9,10, 23; 5:15; 7:18). Assim como Deus se lembra do seu povo, o mesmo deve ocorrer com o povo de Deus, isto é, deve lembrar do Senhor. Aliás, nos salmos e profetas, há uma grande advertência porque o povo de Deus esqueceu os feitos salvadores de Deus na época do Êxodo do Egito (Confira Sl. 78:11,42; 106:7,13,21; Is. 17:9-10).
Neemias, um dos líderes da nação de Israel no seu retorno à Terra Prometida após o exílio babilônio, no seu livro, tem repetidas menções à frase: 'lembra-te de mim, meu Deus' (5:19; 6:14; 13:14,22,31). É evidente que, como já disse, ele esperava misericórdia e bondade da parte de Deus ao evocar tal frase; isso é facilmente perceptível à luz de Ne. 13:22,31. É costumeiro em tempos de crises, evocar tal frase. Assim o vemos no livro de Jó (7:7; 10:9). Como já vimos, isso é um pedido de ajuda (Cf. Jr. 15:15).
O fato de que lembrar-se equivale à agir misericordiosamente, bondosamente, causou espanto ao salmista. Ele disse: 'Que é o homem para que dele te lembres?' (Cf. Sl. 8:4). Pois a concepção bíblica de lembrança é a seguinte: Indica tanto atos internos como prestar atenção como atos externos como, por exemplo, recitar algo. Quando se diz que Deus lembrou de algo ou alguém isso quer dizer que Deus prestou atenção à; já que nada lhe escapa a onisciência. Por outro lado, quando o povo de Deus é instado a lembrar-se os feitos do Senhor, como por exemplo, em Deuteronômio, isso quer dizer, muito provavelmente, recitá-los. Ao analisarmos a versão grega do A.T., o conceito de lembrança se expande. Ele adquire o sentido de estar atento, pensar em, sentir por algo ou alguém, levar em consideração, amar ternamente; lembrar, recordar. Isso tudo levou o salmista a dizer: Que é o homem para que te lembres dele? Que é o homem para que prestes atenção à ele, para que o leves em consideração, para que o ames, para que te importes com ele?
O pedido de que Deus se lembre é ambíguo. Por um lado pedimos que lembre-se da sua aliança, isto é, que aja favoravelmente conosco; por outro, que não se lembre dos nossos pecados , isto é, que não os castigues (Cf. Sl. 25:7; 79:8). Para a mente poética de Israel ser esquecido por Deus equivale a morrer (Sl. 88:5). Deus sempre se lembra da sua aliança, eternamente (Gn. 9:15-16; 1Cr. 16:15; Sl. 105:8; Ez. 16:60,62).
Quando Deus se lembra, coisas boas acontecem. Ao lembrar de Abraão, livrou Ló (Gn. 19:29); quando lembrou de Raquel, ela engravidou (Gn. 30:22); quando lembrou dos judeus, livrou-os do Egito (Ex. 6:5), quando se lembrou da humanidade, enviou o seu Cristo, Jesus (Lc. 1:72).
Podemos apropriarmos dessa aliança? Segundo o apóstolo Paulo, sim. Ele diz em Gálatas que a aliança de Deus com Abraão diz respeito à Cristo (Gl. 3:15-16). E arremata: "Se sois de Cristo, sois descendência de Abraão, herdeiros conforme a promessa (vv. 29). Daí, cada gentio que acredita em Jesus como o Cristo, é, filho da aliança (Cf. At. 3:25). Podemos então orar como os nossos irmãos do passado:"Lembra-te da tua aliança conosco e não a quebres (...) por amor do teu nome". 'Lembra-te de mim, meu Deus'. Não te lembres dos nossos pecados, lembra-te da tua aliança conosco e age misericordiosamente conosco. Não te lembres constantemente das nossas maldades. Olha para nós, somos teu povo"! "Lembra-te de mim e vem em meu auxílio".
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