A oração do Senhor: O quarto pedido em Mateus e o terceiro em Lucas: O Pão Nosso diário dá-nos hoje (3)
Orar
é invocar a Deus em toda a necessidade. Todos nós devemos e precisamos orar.
Somos ordenados por Deus a orar no segundo mandamento da Lei e aqui somos
presenteados por Deus com uma oração que abrange tudo o que precisamos nessa
vida. Essa é a oração da Igreja, é comunitária, todos os verbos estão no plural.
Aqui oramos uns pelos outros e uns com os outros. Essa oração é trinitária,
foca em Deus, o Pai, o Criador, ao pedirmos o pão que representa tudo que vem
da terra. Foca em Deus, o Filho, ao pedirmos perdão e, em Deus, o Espírito
Santo ao pedirmos livramento das tentações.
Sete
são as petições: as primeiras três se relacionam mais expressamente com Deus e
sua honra (teu nome, teu reino e tua vontade); as outras quatro, com nossas
preocupações temporárias e espirituais. Esta oração nos ensina a buscar
primeiro o reino de Deus e sua justiça, e todas as outras coisas serão
agregadas.
Na
história da pesquisa sobre a versão do texto original surgiu uma questão
difícil: deve ser traduzido: “Pai, dá-nos o pão destinado e suficiente para o
dia vindouro”, ou “dá-nos o pão destinado e suficiente para este dia”? A
decisão caiu em favor da tradução “dá-nos hoje o pão para o dia vindouro”, ou
seja, o pão necessário para a existência, o pão diário (cf. 1Tm 6:8).
O
teólogo Zahn fez uma referência ao diarista, que é valiosa para a compreensão
da quarta petição. O diarista pertence ao grupo de pessoas que precisam
“comprar cada dia o pão do padeiro”, ou seja, que não pode, como os abastados,
assar pão para a semana inteira. Se nos colocarmos na situação dele e o
imaginarmos como aquele que sustenta a família, que precisa viver da mão para a
boca, então realmente não será falta de fé quando ele pedir: Dá que eu hoje
possa ganhar tanto que eu e os meus amanhã tenhamos o suficiente para comer.
A
maioria das pessoas na Palestina da época de Jesus recebia um denário no final
do dia, como na parábola de Mateus 20. Com isto, ele comprava comida para sua
família, óleo para lamparina e outras coisas. Aquele denário, típico salário de
um dia de trabalho mal cobria as despesas diárias. Assim, a oração que Jesus
nos ensinou é comovente por sua confiança absoluta em Deus como Provedor
diário. Esse é um lembrete de que tudo que precisamos para nossas necessidades
ser-nos-á dado; para nossas necessidades, não caprichos.
Provavelmente
Jesus ensinou-a aos discípulos em diferentes ocasiões. A palavra "cada
dia" (gr. epiousion) é encontrada apenas uma outra vez em na literatura
grega e seu significado preciso é, portanto, incerto. No entanto, encontrou-se
num documento do Egito em um contexto que sugere o significado "rações
diárias". Provavelmente o melhor meio de entendê-la é "pão para o dia
que chega", isto é, se usado na manhã, "o pão de hoje" e se
usado à noite, "o pão de amanhã". As opiniões quanto ao seu significado variam entre
"diário", "necessário para a existência" e "dia
seguinte".
Acrescenta-se a isso o pensamento seguinte: Em
seu teor, o Pai Nosso não é de nenhum modo super-espiritual, entusiasta,
sobrenatural no sentido de que o pão não caberia numa oração. Ao contrário, seu
sentido é bem natural, respectivo às preocupações pelas necessidades diárias e corporais.
Ainda
mais: A singela palavra “pão” previne de todo luxo, toda ânsia de consumo, e
exorta para a simplicidade e o controle dos desejos. Nessa petição e na
próxima, temos a plenitude das necessidades para o Ser: Corpo (pão) e Alma
(perdão).
Para
as pessoas nos tempos bíblicos, o pão era uma parte básica da comida diária. No
falar cotidiano, eles freqüentemente falavam da comida em geral como pão (Sl
37:25; Pv 31:27; Ec 9:7; Is 30:20; 2Ts 3:8). Em certo sentido, Jesus é o Pão
vivo que veio do céu (Jo. 6:51), que veio para saciar nossa fome de Deus (Jo.
6:35). Aqui nestes versos, temos um dos pilares da Reforma Protestante: A suficiência
de Cristo (Solus Christus).
Convém
lembrar que essa oração tenciona nos ensinar como Jesus disse que “nem só de
pão viverá o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Mt. 4:4).
Ela é o antídoto para a ansiedade quanto ao que comer e beber vistos no versículo
25. O padre grego Theophylacto
diz que essa petição é um antídoto para a ansiedade diária, pois como ele
observou, o significado de diário aqui tem a ver com Pão suficiente para nosso
sustento ou apoio, assim como acreditava João Crisóstomo, o Boca de Ouro.
Pão diário, deve ser observado, de acordo com o
idioma hebraico, significa toda a provisão da mesa, veja Gênesis 18:5; e aqui
inclui vestimenta e tudo o que é necessário para a vida. Lutero assim também
pontuou em Seu Catecismo Menor. Ao falar do pão, ele diz:
Tudo
que se refere ao sustento e às necessidades da vida, como por exemplo: comida,
bebida, roupa, calçado, casa, lar, meio de vida, dinheiro e bens, marido e
esposa íntegros, filhos íntegros, empregados íntegros, patrões íntegros e
fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, amigos leais,
bons vizinhos e coisas semelhantes.
Essa
oração revela alguns dados sobre a provisão divina:
1. Uma provisão constante
O
grego de Lucas em Lucas 11 é bem conciso. É como se, ao ensinar-nos a orar
Jesus dissesse: “Continue nos dando nosso pão todos os dias para sempre”. A
versão de Lucas traz a continuidade do presente (seja dia a dia); Se a oração
fosse feita à noite, pedia-se pelo pão do amanhecer, se fosse feita ao
amanhecer, pedia-se pelo pão da noite. Aqui, o grego dá a entender uma petição
numa futura sucessão ininterrupta. O diário aqui pode ser entendido como pão
para o dia de agora, pão nosso de amanhã, do futuro, o pão essencial, necessário
à vida.
2. Uma provisão espiritual
Alguns
dos Pais da Igreja como Orígenes, Tertuliano, Cirilo de Jerusalém, Atanásio,
Ambrósio e Agostinho interpretaram esse pedido como além do necessário para
subsistência na terra, um pedido para que Jesus Cristo nos fosse dado. Ele que
é o Pão Vivo que desceu do Céu e dá vida ao mundo (Jo. 6:32-35).
3. Uma provisão coletiva
Dissemos
e repetimos que a oração está conjugada no plural. O pão é nosso. Aqui oramos
para que Deus abençoe não somente a nós e nossos conhecidos, como também a toda
a humanidade. Que Deus abra suas mãos e dê o necessário a subsistência a todos
os seres vivos do planeta, especialmente a humanidade.
4. Uma existência doada
Na
Bíblia, somos orientados a esperar de Deus a provisão diária (Sl. 104:27;
145:15), aqui oramos para que todo empecilho seja removido para que essa
provisão chegue até nós. Chegamos diante de Deus em petição. Chegamos diante de
Deus reconhecendo que ele é a origem de todo o bem material, emocional que
desfrutamos. Chegamos diante de Deus reconhecendo que não merecemos de nenhuma
forma todas as bênçãos que ele tem nos dado gratuitamente. Chegamos dizendo:
“Dê-nos”. Não exigimos nem determinamos, apenas pedimos.
O
"hoje" na oração recorda-nos o maná no deserto. Dizendo-nos que a
provisão de Deus é diária. Dizendo-nos que não deve haver espaço para a
ansiedade. Dizendo como está nos salmos: “Deus, a cada dia leva nossos fardos”
(68:19). É um lembrete de que devemos lançar toda a ansiedade aos pés de Jesus
e ele nos sustentará (Sl. 55:22; 1Pe. 5:6-7; Fp. 4:6; Mt. 6:24-34).
Devemos
notar, no entanto, que a oração do Senhor não se baseia no nosso merecimento.
Oramos porque Deus nos ordenou orar no segundo mandamento; oramos porque Deus
prometeu ouvir-nos nos profetas e no Evangelho. Oramos não porque somos
melhores ou mais eficientes, antes, oramos por reconhecermos que precisamos de
Deus e sua graça.
O quarto pedido tem a ver
com a criação – papel
proeminentemente, mas não exclusivo de Deus, o Pai. Na Bíblia, o pão representa tudo quanto é
necessário para subsistência física e emocional na Terra. Aqui, oramos para que
Deus nos dê tudo quanto for necessário para nossa subsistência em todos os
níveis (familiar, profissional, corporal, social, governamental).
Essa oração do Senhor é
trinitária.
Relaciona-se com o Pai falando da criação e sua manutenção, com o Filho e a
redenção e com o Espírito Santo falando da preservação e santificação. Olha
para o Passado (perdão), presente (Pão), e o Futuro (Livra-nos). A oração do
Senhor é comunitária. Aqui oramos uns pelos outros e uns com os outros. É a
oração da Igreja. Ela está toda conjugada no plural: Pai Nosso, O pão nosso,
Perdoa-nos nossos pecados, não nos induzas, livra-nos do Maligno.
Quando
oramos pedindo essas coisas aparentemente tão-somente naturais e terrenas, na
verdade, estamos orando para Deus, o Pai, se dê a nós através delas. Lutero em
sua confissão de 1528 diz que o Pai se nos dá com céus e terra e todas as
criaturas para que nos sirvam e sejam proveitosas.
CONCLUINDO...
Ao oramos essa
petição estamos pedindo a Deus:
·
Sustento
para o corpo e alma, isto é, para o homem todo;
·
Revelação
de quem Jesus Cristo é e sua suficiência para nós nesta vida e na próxima
·
Uma
provisão constante;
·
Uma
provisão comunitária
·
Reconhecemos
que nossa existência é uma existência doada – como visto na petição anterior.
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