Um lembrete: Teologia da Cruz sim, teologia da glória, não!

Em meados de 1500, Lutero falou sobre a Teologia da glória que é a busca humana de enxergar a Deus em suas obras miraculosas como visões, curas e milagres. É tentar conhecer, como ele esclarece, a essência invisível de Deus (Debate de Heidelberg, tese 19). A teologia da glória é voltada para a especulação filosófica, para o misticismo e para as boas obras meritórias. Usando a imagem do reformador, a Teologia da glória são as escadas humanas nas quais o homem tenta alcançar o céu. É o Zigurate de Babel. É o esforço que dita a conquista. O Pr. Glênio Fonseca Paranaguá, em seu livro, Religião: Uma bandeira do inferno (editora IDE,  2011), diz (p. 32): "A religião é uma escada muito comprida, ainda que extremamente curta, que o homem usa para pretender se conectar com Deus". Ele prossegue, em seu livro, dizendo (p. 18): "Alguém já disse: 'Tantas são as pessoas, tantas as religiões'". Essa miríade de religião que há no mundo demonstra que todo ser-humano tenta usar a sua escada, a sua Teologia da Glória para achegar-se a Deus. A imagem bíblica por trás do linguajar da escada é aquela passagem do sonho de Jacó, no lugar que Jacó chama de Betel. Ali, Jacó sonha com anjos de Deus subindo e descendo uma escada. Ali, não se tem a escada humana, se tem a escada divina. Sabemos, pelo Novo Testamento, que essa escada é o próprio Senhor Jesus Cristo. O homem tenta subir em direção a Deus usando as suas 'escadas', e Deus, no entanto, resolve descer ao humano no ventre de Maria, a Virgem. Essa tentativa se dá por conta do que João Calvino chamou de Senso da Divindade em suas Institutas da Religião Cristã (1:3.1). Todo ser humano sabe que existe um Deus pessoal, moralmente perfeito, que foi ofendido, a quem deve prestar contas. Na tentativa de reparação, a humanidade levanta essas escadas. Stanley Jones dizia: "A religião é o homem buscando a Deus, por isso há muitas religiões. Mas o evangelho é Deus buscando o homem, por isso mesmo há somente um evangelho". Nessa tentativa de encontrar Deus em sua essência, em sua majestade, em seu esplendor, Paulo assevera que todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis (Romanos 3:10, Nova Almeida Atualizada). 

Em contrapartida à Teologia da Glória, Lutero falou também da Teologia da cruz. Entende-se por Teologia da cruz que Deus é encontrado na cruz; em meio à fraqueza. Nas palavras de Ronald Thiemann, pastor luterano e professor de Teologia em Havard, "O teólogo da glória espera que Deus se manifeste em poder, majestade e força, mas o teólogo da cruz sabe, através dos olhos da fé, que Deus se manifesta, de fato, em sofrimento, morte e uma cruz" (Lutero: um teólogo para os tempos modernos, Sinodal/EST, 2013, p. 259). Lutero faz da Teologia da cruz a condição formativa de teólogos. No Debate de Heidelberg, já mencionado, ele diz (tese 20): Pode-se designar condignamente de teólogo quem compreende as coisas visíveis e posteriores de Deus enxergando-as pelos sofrimentos e pela cruz.[...] Assim, não basta nem adianta a ninguém conhecer a Deus em glória e majestade se não o conhece também na humildade e na ignomínia da cruz. Portanto, no Cristo crucificado é que estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus. Lutero entende que Deus se revela sub contrario, isto é, sob seu oposto. A maneira na qual não se esperava ver Deus – um homem crucificado – é precisamente a forma pela qual Deus se revela. Karl Barth, em sua Dogmática da Igreja, diz (A doutrina da reconciliação, p. 185): "O Todo-Poderoso existe e atua e fala aqui na forma daquele que é fraco e impotente, o Eterno como alguém temporal e perecível, o Altíssimo na mais profunda humildade. O Santo está no lugar e sob acusação de ser pecador junto com outros pecadores. O Glorioso está coberto de vergonha. Aquele que vive para sempre se tornou presa da morte. O Criador está sujeito  ao assalto daquilo que não é e é vencido por ele". Eis o cerne da Teologia da cruz. Esse assunto se tornou primordial para Lutero a tal ponto que ele dizia que somente a cruz é nossa teologia. E insistia com os pastores e mestres que pregassem uma única coisa, a saber, a sabedoria da cruz. Se na Teologia da glória, temos o homem tentando alcançar Deus, na Teologia da cruz temos Deus vindo ao encontro do homem. Sabemos, pelo Novo Testamento, que a escada que Jacó viu anjos subindo e descendo é o próprio Senhor Jesus, o Caminho para o Pai. O mistério da Piedade, nas palavras de Paulo, é que Deus foi manifestado em corpo, justificado em espírito - isso aponta para a morte de Cristo Jesus - visto pelos anjos - isso aponta para a ressurreição - pregado entre as nações, crido no mundo, recebido acima na glória - isso fala da exaltação de Cristo (1Timóteo 3:16, Nova Versão Internacional). O que faz o cristianismo distinto de toda outra religião é que Deus veio ao mundo, morreu por pecadores e ressurgiu ao terceiro dia e subiu ao céu. O homem tenta usar escada e Deus providencia caminho. O homem tenta conquistar a salvação através da obediência (Teologia da glória) e Deus envia o Substituto que cumpre a lei em lugar do que crê (Teologia da cruz). No primeiro, eu faço; no segundo, Deus fez. No primeiro, eu tento; no segundo, eu desfruto.  No primeiro, eu fico aquém; no segundo, sou justificado gratuitamente.  Nas palavras bíblicas [Romanos 3:23-26, Nova Versão Internacional]:

Retábulo de Issenheim – Matthias Grünewald 


"Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus,
Sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus
Deus o ofereceu como sacrifício para a propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas no presente, demonstrou sua justiça a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus."

Não é o que eu faço, fiz ou ainda farei; é o que Deus fez. Não é quem sou; é quem ele é em mim. Não por obras, para que ninguém se glorie. Não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia.  Esse texto não pretende ser um tratado teológico – ainda que carregado de terminologia teológica –, mas apenas e tão-somente um lembrete, para mim, de que não é pelo que eu faço ou tenho que fui, sou e serei salvo, mas por causa única e exclusiva do Senhor Jesus Cristo. Não é pelo muito conhecer, mas pelo Senhor Jesus Cristo. Não é pelo muito orar, mas pelo Senhor Jesus Cristo. Como diriam os reformadores, 

Solus Christus!


Comentários